OS SEUS DOIS DESEJOS

Capítulo 1

Jasmine

 

Jasmine permanecia encarando a porta de seu quarto, seu coração pulsando como um tambor. Ele estava começando a suar e suas pernas tremiam. Desde criança, quando vestia sua roupa formal, sua mãe se referia a Jasmine como seu pequeno boneco chinês. Jasmine detestava quando a mãe ressaltava o quanto ele se parecia chinês ao invés de parecer com o pai árabe, o sultão. Contudo, seu traje tradicional chinês certamente ajudaria hoje.

Por que hoje? Porque hoje era o dia em que Jasmine finalmente faria a sua fuga. Sua vida havia sido uma tortura como príncipe. Desde o dia em que nasceu, regras regiam cada movimento que fazia. Ele literalmente tinha um instrutor de movimentos que o ensinava a caminhar como um príncipe.

Além disso, todo dia era igual. Acordava, seus criados entravam em seu quarto, o levavam ao banho, o banhavam e o vestiam. Já vestido, ele seria levado ao cômodo de café da manhã onde comia sozinho. De lá, seria escoltado para suas aulas diárias. Literatura chinesa, literatura árabe, aula de arte e aula de música. Contudo, mesmo na aula de música, ele não podia escolher seu próprio instrumento.

Jasmine queria aprender a tocar pipa depois de ver um músico da orquestra real tocando. Aquela imagem remodelara sua visão de mundo. Nunca em sua vida ele imaginara que um homem seria autorizado a tocar a pipa. E a maneira como ele a segurava, era como se estivesse segurando um amante.

Jasmine tinha certeza que ninguém mais notou, mas ele viu o rosto do tocador de pipa se contorcer de prazer. Ele reconheceu a expressão contida do músico na sua própria, quando descobriu o que acontecia quando tocava entre suas pernas. O músico experimentava êxtase enquanto tocava seu instrumento de cordas voluptuoso, e Jasmine almejara isso para si.

Lamentavelmente, aquele não seria o instrumento para a realeza, seu instrutor lhe disse. Ele deveria tocar o guzheng. Era uma tradição, seu instrutor lhe disse. E quando Jasmine protestou para a mãe, a mãe deu uma aula sobre tradições chinesas e tomou partido do instrutor.

Aquele incidente, em particular, fez Jasmine se sentir totalmente impotente. Tudo sobre sua vida parecia assim. Mas pior do que tudo. Pior do que o fato de que cada momento de sua vida era manobrado como um boneco de cordas, era a regra que governava todo príncipe de sua linhagem. Ninguém, nem seus guardas, instrutores, nem mesmo emissários visitantes, podiam olhá-lo nos olhos.

Ao longo de seus 20 anos, os únicos olhos nos quais havia olhado eram os do pai, da mãe, da babá de infância e do Vizir. Mas, mesmo podendo, seu pai mal o olhava. Ele não tinha tempo, era raro estarem no mesmo cômodo ao mesmo tempo. Via a mãe um pouco mais frequentemente, mas ela também estava ocupada. E, toda vez que tinha o azar de ser deixado sozinho com o conselheiro monstruoso de seu pai, o Vizir, ele sempre dizia as coisas mais vis que poderia imaginar.

O coração de Jasmine doía por ser visto por outro ser humano. Ele desejava isso de forma tão desesperada que tinha cogitado subir ao topo do muro do palácio e se jogar. Seria notado então, toda a cidade o veria.

Mas o que ele decidiu fazer, foi algo ainda maior. De uma tacada só, conseguiria tudo que sempre desejou e também se vingaria dos pais por cada maldade que já fizeram. Jasmine vinha planejando isso por meses. Tinha pensado nisso por anos. E, depois de concluir os últimos preparativos no dia anterior, esse seria o dia em que faria isso. Ele ia fugir.

Contudo, Jasmine sabia que, como príncipe, escapar do palácio não seria fácil. Apesar de ninguém olhá-lo nos olhos, ele sabia que todos conheciam seu rosto. Ele não chegaria nem ao pátio sem um guarda atrás dele. E, se simplesmente baixasse a cabeça e fosse correndo, não chegaria longe.

Seus tamancos não o ajudariam na velocidade. Se tirasse-os e fosse de meias, ainda teria que lidar com as inúmeras camadas de roupa. Seria parado imediatamente. Talvez então, sua gaiola se fechasse ainda mais. Ele não conseguia pensar em como sua vida poderia piorar, mas estava certo que poderia.

Não, ela logo decidiu que um plano de fuga tão direto não funcionaria. Ela teria que fazer algo que, mesmo sendo pega, a tiraria do palácio e a manteria longe. Teria que convencer as pessoas de que não deveria estar lá e fazer com que eles a mantivessem longe.

Com o coração de Jasmine martelando em sua garganta, ela esticou os dedos e tocou a maçaneta da porta do quarto. O metal parecia elétrico. Tudo ao redor dela parecia mais vibrante. Seria porque era a última vez que veria tudo isso? Talvez. Mas, com uma última respiração profunda e toda a coragem que podia reunir, ela girou a maçaneta da porta e saiu para o corredor.

Enquanto a luz do corredor caiu sobre ela, ela olhou ao redor. Assim que o fez, o guarda, surpreso, desviou o olhar. Não era raro Jasmine sair do quarto após o jantar, mas era incomum. Se a orquestra real não estava tocando, ela normalmente se perdia num livro sobre lugares distantes. Afinal, na vida real, ela era uma prisioneira. Em sua imaginação e em seus livros, ela era livre.

“Siga bem atrás,” ordenou Jasmine com autoridade indiscutível.

“Sim, Sua Alteza,” respondeu o guarda barbudo e forte.

Jasmine entrou no corredor atordoada. Conseguira dizer suas palavras com calma, mas isso não refletia o que sentia. Estava um caco, mas não podia demonstrar.

“Avancem,” Jasmine ordenou, conhecendo o limite absoluto que eles poderiam seguir. “Ainda mais,” ela ordenou, afastando o homem o máximo possível.

A primeira parte do seu plano estava concluída. Ela tinha que entrar no corredor pouco antes do anoitecer. Era quando ninguém desconfiaria de nada. Em seguida, faria seu caminho até o laboratório do Vizir. Odia-lo, mas finalmente usaria seu rude conhecido contra ele.

Ela sabia que, exatamente nesse horário, ele estaria se encontrando com seu pai. Era o único encontro que ele não ousava faltar. Tudo o que tinha que fazer era passar de onde estava para aquele lado do palácio e, assim, estaria quase livre.

Como planejara, Jasmine acelerava a cada esquina que virava. Isso estava aumentando a distância entre ela e seu guarda. Ao se aproximar de uma nova esquina, o guarda perdia o rasto dela. E depois de fazer isso várias vezes, o guarda não conseguia mais vê-la.

Foi quando Jasmine tirou seus sapatos de madeira e correu. Ela teve que levá-los com ela, a menos que o guarda suspeitasse de algo. Sim, a ausência do som de madeira batendo na pedra seria uma pista. Mas ela conhecia o guarda designado para ela. Ele não era tão perspicaz.

Com seus sapatos na mão e sua túnica agarrada aos braços, Jasmine correu pelo palácio. Ela conhecia o caminho que devia seguir. Era o menos frequentado. Seria mais longo, aumentando as chances de ser pega, mas era assim que tinha que ser.

Cinco voltas, seis, sete, dez. Estava ficando mais perto. O guarda tinha que estar correndo também. Havia uma chance dele ter seguido o caminho errado. Jasmine não podia confiar nisso, entretanto. Ela tinha que continuar. E quando o cansaço a atingiu e ela soube que não poderia correr por muito mais tempo, sentiu alívio ao ver a porta no fim do corredor aparecer. O alívio era quase avassalador.

Desesperadamente sem fôlego, Jasmine abrandou para puxar a porta. Apertando a maçaneta, ela não se moveu. Ela tentou de novo. Nada. Como isso era possível? Estava trancada? Jasmine examinou a maçaneta. Não havia fechadura, portanto, não poderia ser. Então, por que não estava abrindo? Seu pai já lhe dissera que o Vizir era um feiticeiro com uma grande magia. Seria assim que a porta permanecia fechada? Era magia?

Puxando e puxando, nada acontecia. Isso tinha sido um erro. Ela podia ouvir o guarda se aproximando. Ele iria encontrá-la e ela teria que se explicar. Talvez não para o guarda, mas para sua mãe quando descobrisse.

O coração de Jasmine doía de arrependimento. Ela nunca deveria ter tentado isso. Havia muitas variáveis e ela sabia disso. Ainda assim, lá estava, o único plano que conseguira elaborar e estava prestes a destruir qualquer esperança que tivesse de escapar.

Virando-se para encarar seu perseguidor, Jasmine fitou o corredor mal-iluminado à espera que o guarda aparecesse. Valeria a pena calçar seus sapatos novamente? Ela não conseguia se decidir. Talvez pudesse adotar um ar de autoridade que duraria até ser escoltada de volta ao seu quarto, mas de que adiantaria?

A única coisa que restava agora era planejar sua escalada ao topo do muro do palácio para se jogar. Ela não queria fazer isso, mas era sua última opção. Ela estava sem alternativas. Ela não conseguia viver assim, então terminaria tudo nos seus próprios termos.

Tomando uma respiração profunda, ela ergueu o queixo e firmou o olhar. Estava pronta. Ela não seria quebrada. Ela iria sair forte.

Enquanto olhava para a escuridão à espera do guarda, foi quando ela ouviu. Com o som de passos que se aproximavam, havia algo mais. Soava como a abertura de uma porta rangente. Com uma onda súbita de esperança, Jasmine virou-se.

Era um milagre, a porta trancada estava aberta. O Vizir teria destrancado por dentro? Não importava. Lançando-se por trás de sua grande massa, ela entrou em uma sala já iluminada. Assim que fez, a porta se fechou atrás dela.

Assustada, Jasmine olhou para ela. Não havia ninguém lá. Ninguém a tinha tocado.

Como? Ela se perguntava. Quem? Ela implorava, explorando sua mente em busca de uma resposta.

Rapidamente Jasmine percebeu que não importava. Qualquer força que a tivesse deixado entrar, tinha lhe dado uma última chance de vida. Ela não iria desperdiçá-la. Então, virando-se e encarando as estranhíssimas ferramentas de feiticeiro do Vizir, ela encontrou um espaço para executar a próxima parte de seu plano.

Derrubando seu manto e tudo o que estava em cima, ela sentiu o ar incomumente frio do laboratório lavar sobre ela. Sentia-se tão bem. Talvez fosse mais do que apenas o ar fresco que lhe trazia alívio, talvez fosse o início de sua nova vida.

Havia uma coisa importante a fazer primeiro, no entanto. Ela precisava verificar se algo era verdade. Parte de seu plano dependia do que ouvira. Jasmine não tinha certeza se o tinha escutado num sonho ou na vida real, mas de qualquer forma, parecia real.

Fosse lá o que fosse, ela havia observado Vizier falando com um homem. Do que podia distinguir, ele era incrivelmente atraente. E, em sua memória, Vizier estava dizendo a ele sobre seu laboratório. Eles estavam falando sobre um corredor que Vizier queria que fosse construído. Jasmine presumiu que o homem era um arquiteto do palácio, mas havia algo na forma como o atraente homem estava vestido que lhe disse que ele não era.

Quem quer que fosse, Vizier explicava para ele em detalhes como ele queria que a saída de emergência funcionasse. Vizier queria uma porta que desse para um corredor. Esse corredor levaria a dois lugares. Um era profundamente abaixo do palácio. O outro era uma pequena porta que se abria para além dos muros do palácio. Jasmine precisava ter certeza de que não estava sonhando. Antes que ela pudesse prosseguir com a próxima parte de seu plano, ela tinha que confirmar se era real.

Jasmine atravessou o quarto sem tocar em nada. Ela não queria que Vizier soubesse que ela esteve lá. Eventualmente, seu desaparecimento chegaria até ele, junto com seu caminho pelos corredores e ele descobriria. Mas, até lá, ela teria tempo para se afastar o quanto possível do palácio. Ela não sabia o quão longe ela poderia chegar, ou mesmo como era o mundo além dos muros do palácio, mas ela queria descobrir.

Revisitando as palavras de Vizier em sua cabeça, ela alcançou uma lanterna presa na parede. Ela parecia igual a todas as outras, mas Vizier havia dito que ela deveria ser indistinguível. Colocando sua mão na armação de metal que se projetava da pedra, ela puxou. A lanterna se moveu, o que já era mais do que qualquer luminária de parede deveria fazer, mas era bem menos do que ela esperava.

Um tinido vibrante na porta a interrompeu. Sua pele arrepiou.

“Sua excelência, lamento perturbá-lo. Estou à procura da Princesa. Ela está com você?”

Este era o momento pelo qual Jasmine havia planejado desde que elaborou seu plano. Feliz ou infelizmente, a voz de Vizier estava gravada em sua mente. Ele conhecia a forma arrepiante como ela subia e descia e seu tom. Ele poderia imitá-la. Pelo menos ele pensava que sim.

“Nunca me perturbe quando estou trabalhando. Nunca me perturbe!” disse Jasmine em um tom áspero.

“Peço desculpas, excelência. Procurarei por ela em outro lugar, excelência,” disse o guarda antes de ficar em silêncio.

Jasmine esperou e ouviu. Ele não ouviu mais nada. Isso significava que ele tinha ido embora? A porta estava novamente trancada? Ou, ele não foi convincente e o guarda estava tentando entrar?

Enquanto Jasmine encarava a porta, nada acontecia. Não houve mais batidas e o guarda não testou a fechadura. Pelo menos por alguns momentos mais, ele estava seguro.

Sentindo o tempo escorregar, ele entrou em ação. Com sua longa veste de lado, ele olhou para baixo suas roupas. Ele estava usando calças. E não apenas as roupas íntimas que as mulheres árabes às vezes usavam, calças de menino mesmo. Além disso, ele estava usando uma camisa tradicional sem gola e um colete. Da cintura para baixo, ele parecia um menino. Infelizmente, havia apenas uma coisa que certamente o delataria na sociedade muçulmana chinesa. Era o seu cabelo. Seus longos, espessos, luxuosos cabelos.

Jasmine havia pensado em usar um chapéu como parte de seu disfarce, mas e se ele caísse. Seu disfarce seria imediatamente desfeito. Não, havia apenas uma coisa que ele poderia fazer se realmente quisesse escapar da prisão em que vivia.

Retirando a tesoura da faixa em volta de sua cintura, ele segurou-a com uma mão e a extensão de seu cabelo com a outra. Ele não queria fazer isso. O único elogio que sua mãe lhe deu quando criança foi sobre o seu cabelo. Até onde Jasmine sabia, era a única coisa boa sobre ele. Mas, se ele fosse viver, de verdade, ele teria que deixar para trás tudo de que gostava. Pensando nisso, Jasmine apertou e sua trança saiu em sua mão.

O que ele tinha feito?

Jasmine não esperava que lágrimas enchessem seus olhos. Mas, seu pai sempre disse que a beleza de uma menina chinesa residia em seu cabelo. O mesmo poderia ser dito sobre os homens chineses. Mas, fora dos portões do palácio, ele não estaria tentando se passar nem como uma e nem como o outro.

A única maneira que ele poderia viver, de verdade, seria como um menino. Como ele lia em seus livros, meninas livres tinham pouco mais liberdade do que ele. Mas um menino, ele segurava o mundo em suas mãos como uma bela pérola. Era isso que ele queria. E, para ter uma chance nisso, ele teria que se livrar de muito mais do que apenas sua trança.

No momento em que Jasmine terminou, ele não precisou cobrir o rosto para se esconder. Olhando para um dos potes de cobre de Vizier, ele não conseguia se reconhecer. Ele era um menino, não havia dúvida disso. Jasmine colocaria sua idade entre 13 e 15. Mas, de forma alguma as pessoas o veriam mais como uma boneca chinesa. Aquele pedaço de sua vida tinha acabado.

Juntando os cabelos e todos os seus pertences em uma pilha, ele se aproximou novamente da lanterna na parede. Desta vez, ele puxou com força. Se não revelasse uma porta, ele arrancaria a lanterna da parede. Foi então que um painel na parede se abriu. A porta não era leve e requeria outro puxão na lanterna para abrir completamente. Mas quando estava aberta, Jasmine foi invadido por um senso de alívio que o aqueceu até o âmago.

Ele estava fazendo isso. Ele seria livre. Ele estava se sentindo tão bem, que poderia ter começado a cantar. No entanto, ele não cantou.

Olhando para o caminho à frente, a única coisa que ele conseguiu perceber era que estava escuro. Era a mais profunda das escuridões. Tendo dado um passo à frente, ele recuou. De jeito nenhum ele iria navegar por isso sem alguma forma de iluminação.

Foi enquanto vasculhava o laboratório do Vizir que ele encontrou algo que nunca esperava ver.

Encostada na parede estava uma cesta cheia de lágrimas de ouro. Elas cintilavam à luz do lampião.

“Ele sabia que precisaría de algo de valor na cidade e só podia imaginar quanto valeria uma dessas lágrimas douradas.

“Não, Jasmine. Ele é o mestre das moedas do reino. Leve até mesmo uma e ele saberá que está faltando. Procure um lampião e vá.”

Relutantemente cobrindo a cesta e seguindo em frente, Jasmine encontrou uma tocha descartada no fundo de outra cesta. Ele não tinha certeza se o Vizir sentiria falta disso, mas que escolha ele tinha? Era isso ou nada.

Com os braços ainda cheios de seus pertences, Jasmine acendeu a tocha, entrou no sombrio corredor e fechou o painel da parede atrás de si. Caminhando, sentiu como se estivesse andando para sempre. Virando à esquerda e depois à direita, não tinha certeza se acabaria fora ou mais fundo no ventre de sua prisão. Mas quando seu caminho terminou numa porta impedida por um trinco de metal, ele virou a maçaneta, abriu a porta e focou os olhos na imagem mais deslumbrante que já tinha visto.

Diante dele estava o que só poderia ser descrito como liberdade. Ele tinha conseguido. Depois de 20 anos em cativeiro, Jasmine finalmente era livre.

Os olhos de Jasmine se encheram de lágrimas mais uma vez. Desta vez, ele não sabia o motivo. Seria a alegria de sua nova liberdade? Seria a tristeza pelo que estava deixando para trás? Era por conta da tempestade de emoções que o atingira de uma só vez? Ele não sabia. O que ele sabia, no entanto, era que estava livre e que tinha que continuar se movendo para permanecer assim.

Saindo e fechando a porta atrás de si, as frestas entre a porta e a parede pareciam desaparecer. Isso também era mágica? Segurando a tocha em uma mão e seu robe e cabelo na outra, ele voltou-se para a cidade iluminada e começou sua nova vida.

Cruzando a distância entre a parede e a cidade, Jasmine ficou maravilhado com a visão. Ele tinha visto isso da varanda de seu quarto, mas não poderia ter imaginado como era de perto. As pequenas estruturas de madeira com seus telhados de cerâmica brilhavam com vida. Quanto mais se aproximava, mais era envolvido pelos cheiros e sons da cidade. O ar tinha cheiro de um baile de especiarias. E a cidade soava como risadas e amor.

Caminhando entre as pequenas casas aconchegantes, Jasmine se perdeu na imaginação sobre o que estaria acontecendo dentro delas. Será que essas famílias dançavam juntas? Ele tinha lido sobre isso nas histórias de terras distantes. Será que era isso que as pessoas comuns faziam? Sem saber, seu coração doía querendo descobrir.

Embora soubesse que deveria estar correndo o mais longe e rápido possível, ele não corria. Durante toda a noite, passou por todas as casas e estruturas barulhentas imaginando como seria entrar. Deve ser glorioso.

No entanto, ele não conseguia fazer isso. Como poderia? Ele nem mesmo sabia como entrar em um estabelecimento de bebidas. Seu instrutor de etiqueta nunca lhe ensinou isso.

Quando as luzes das pequenas casas de madeira se apagaram, Jasmine lentamente percebeu algo que realmente não tinha pensado quando planejava sua fuga. Agora que estava livre de sua prisão, onde ele dormiria?

Ele poderia bater na porta de alguém e pedir uma cama? Existiam pensões por perto? Se existissem, como ele pagaria? Na verdade, como ele pagaria por qualquer coisa? Jasmine pensou na cesta de lágrimas de ouro que tinha visto no laboratório do Vizir. Quantas noites uma daquelas teria comprado para ele?

Depois de um tempo, pensar sobre isso se tornou demais para ele. Jasmine só precisava de um lugar para dormir. Havia muitos becos vazios entre as casas e edifícios. Encontrando um onde a terra era macia, ele sentou-se com as costas contra a parede. Envolvendo seu corpo com seu robe para garantir sua privacidade e calor, ele jurou apenas fechar os olhos por um momento antes de adormecer.

“Levante-se, seu rato de rua”, Jasmine ouviu antes de sentir um chute que acertou direto em suas costelas.

“Ai!” ele exclamou irritado enquanto saía de debaixo de seu robe. “Isso doeu!”

“Se você não quer ser chutado, então não deveria dormir nas ruas.”

“Não tinha para onde ir”, Jasmine proclamou com indignação.”

“Você acha que isso é problema meu? Saia daqui”, disse ele antes de chutá-lo novamente.

“Ai! Ai!” Falou Jasmine rastejando para longe.

“E de onde você roubou isso?” O homem disse, apontando para o luxuoso robe.

“Eu não roubei. É meu”, Jasmine proclamou sem pensar.

“Seu? A única que poderia ter algo tão caro assim seria uma princesa. Você é a princesa, garoto?”

Foi então que os olhos e a mente de Jasmine se esclareceram. Ele olhou nos olhos do homem rechonchudo. …Ele estava olhando nos olhos dele, e ele estava olhando de volta para ele. Ele estava vendo ele. Ele foi a primeira pessoa a realmente vê-lo. Foi incrível.

“Saia daqui”, o lojista disse novamente antes de puxar seu pé e desferir-lhe um chute no traseiro.

Quando o golpe acertou, o pequeno Jasmine foi arremessado para o ar e caiu a alguns centímetros de distância. O chute doeu. E doeu tremendamente. Ele queria chorar. E ao observar o primeiro novo par de olhos com quem cruzava, após uma década, finalmente notou a raiva que carregavam. Eles o assustavam. Ele precisava sair dali.

Ao se levantar, Jasmine fez de tudo para segurar suas emoções. Começou rapidamente a recolher seu roupão, mas parou quando o homem deu um passo à frente e pisou na ponta do tecido.

“Não, princesa, o roupão não é seu. Eu o devolverei para o seu verdadeiro dono.” Seu olhar se transformou em um sorriso irônico. “E, se eu não encontrar o dono, eu o vendo por um belo lucro.”

‘Espere, o roupão tem valor. Eu posso vendê-lo,’ Jasmine percebeu.

“Eu posso vendê-lo para você, se você quiser”, Jasmine disse de repente percebendo quão faminto ele estava.

“Ou eu posso simplesmente pegar e preservar sua vida pelo esforço.”

“Você não pode simplesmente tirá-lo de mim,” Jasmine disse, confuso pela sugestão do homem.

“Ah, é? Observa e aprende,” o homem disse com uma escuridão em sua voz que Jasmine jamais poderia ter imaginado.

O comerciante avançou sobre Jasmine com ferocidade. Ele atingiu-o enquanto ele erguia seus finos braços para se proteger. Ele se perguntou se iria morrer. Quando um golpe atingiu sua cabeça, ele teve certeza disso.

Tonto, tudo o que ele podia pensar era em como fazer com que ele parasse. Havia apenas uma maneira em sua mente. Ele tinha que gritar quem ele era. Ele tinha que dizer a ele que era o Príncipe.

“Ei! Ei! Deixa ele em paz,” outra voz gritou de longe.

Os golpes pararam. O que havia acontecido? Jasmine se perguntava. Os golpes estariam prestes a começar de novo?

“Não se meta nisso, rato de rua,” o homem rechonchudo dirigiu-se à nova voz.

Foi quando Jasmine desenterrou sua cabeça e olhou para seu agressor. Ele estava distraído. Era a sua chance de escapar. Rolando para longe, ele tentou agarrar o roupão enquanto avançava.

“Nem pense nisso,” o homem disse novamente colocando o pé sobre o roupão.

“Deixa,” a nova voz disse para Jasmine.

“Mas é meu”, Jasmine disse ao se virar para quem estava falando.

Ao vê-lo, Jasmine parou. Era um garoto da idade dele. Bronzeado e sem camisa. Era o garoto mais lindo que Jasmine já tinha visto.

Foi então que ele olhou para ele. Seus olhos se encontraram e, naquele breve instante, foi como se toda sua solidão tivesse sido dissipada.

“Deixa pra lá. Deixa ele ficar com o roupão. Não vale a pena”, o garoto disse com compaixão.

Foi a insistência dele que fez Jasmine afrouxar o aperto e deixar o último vestígio de sua vida antiga escapar. Ao se levantar, o garoto chamou-o para o seu lado.

“Vem”, ele disse acenando com a mão. “E você”, ele disse, mudando o foco para o homem rechonchudo. “Lembre-se, nada pertence a você, apenas a Allah.” “Vamos”, o garoto disse, sem tirar os olhos do homem enquanto se afastava lentamente.

Os olhos de Jasmine pularam entre o garoto que ele decidiu seguir para qualquer lugar e o homem que o assaltou. Quando o homem pegou seu novo prêmio e perguntou, “Isso é cabelo?”, Jasmine parou de olhar para trás.

Sentindo o toque da mão do garoto em seu ombro enquanto ele o conduzia para longe, seu corpo formigou.

“Como você conseguiu um roupão cheio de cabelos?” O garoto perguntou com um riso.

Ele estava olhando para ela de novo. A sensação era hipnotizante para ela.

“Não quer falar, né? Tudo bem. Todos nós temos segredos. Eu me chamo Aladdin, a propósito.”

Jasmine não conseguia falar mesmo querendo.

“O que? Não tem nome?”

“Claro que eu tenho nome,” ela disse finalmente conseguindo dizer algo.

“Ele fala,” Aladdin disse com uma risada. “Então, qual é o seu nome, garoto?”

“Eu não sou um garoto,” Jasmine protestou, não querendo que ele tivesse a impressão errada dela. Ela só queria que ele tivesse a impressão errada correta.

“Não, eu posso ver. Você é um grande e forte homem. Olhe esses músculos,” ele disse com o sorriso mais brilhante.

Jasmine olhou para o rapaz sem saber o que estava acontecendo. Era assim que os meninos falavam um com o outro? Ninguém nunca havia falado com ela assim. Ela não sabia o que pensar a não ser que ela queria mais.

“Eu tenho a mesma idade que você,” Jasmine disse.

“Mesmo?” Aladdin disse duvidoso.

“Sim.”

“E qual é o seu nome?”

Jasmine pensou por um momento. “Meu nome é… Jamar,” ela disse, proferindo a primeira coisa que veio à mente.

“Jamar?” Aladdin disse com um sorriso. “Tudo bem, galã,” ele disse, brincando com o significado do nome.

“É, isso mesmo, Jamar.”

Jasmine não pretendia dizer esse nome. Aladdin estava certo, todos sabiam que Jamar significava galã. Ela não sabia porque tinha dito isso até ela olhar novamente para os belos olhos do garoto.

“Então, Jamar, você está com fome?” Aladdin perguntou com confiança.

Jasmine sentiu seu estômago rosnar. “Sim, eu estou com muita fome.”

“Faz alguns dias, né?” Aladdin perguntou casualmente.

“Alguns dias?” Jasmine perguntou surpresa. “Não.”

“Bom, de qualquer forma, parece que é hora do café da manhã.”

“Tem comida? Onde encontramos comida?” Jasmine perguntou animada.

“Comida está em todo lugar. Basta olhar ao redor.”

Eles haviam chegado ao mercado. Jasmine observou as muitas bancas e os pães e frutas que continham.

“Nós simplesmente escolhemos o que queremos?” Ela perguntou, insegura de como funcionava.

Aladdin riu. “De onde você é?”

Foi então que Jasmine deu uma tossida e baixou a voz. Ela estava se entregando. Ela não podia parecer tão ingênua.

“Eu sou da próxima cidade. As coisas são diferentes lá.”

“Então, lá você simplesmente passeia pelo mercado pegando o que quer?”

“Não. Claro que não. Quero dizer, sim!” Ela disse, percebendo. “É, nós apenas passamos e roubamos.”

“Como você roubou o roupão?”

“Como eu roubei o roupão. Eu apenas o vi e o peguei.”

“A pessoa estava usando quando você o pegou?”

“Sim.”

O sorriso de Aladdin desapareceu pela primeira vez.

“Quer dizer, não. Ele estava em uma loja. Mas, eu gostei e peguei. É por isso que eu tive que vir para cá, para fugir do vendedor.”

Aladdin a encarou, avaliando sua história. Demorou um momento, mas o sorriso de Aladdin voltou. “Nada pertence a ninguém, só a Alá, certo?”

“Certo,” Jasmine disse sorrindo pela primeira vez.

“Então, que tal irmos buscar algo para o café da manhã?”

“Vamos. Guie o caminho.”

Aladdin olhou para Jasmine e hesitou. “Que tal eu te deixar liderar desta vez. Vamos ver essas suas ótimas habilidades de furtar.”

Isso era um teste. Jasmine sabia. Havia algo em sua história que Aladdin não acreditava e ela estava sendo dada uma chance de provar a ele. Ela tinha que fazer isso. Mas como? Ela nunca havia roubado nada em sua vida. Ela nem mesmo tinha ido a um mercado antes. Ela não tinha ideia de como isso funcionava.

“Okay,” disse Jasmine, sabendo que ela tinha que fazer. “Deixe-me apenas decidir o quê.”

“Que tal um pão? Um pouco de pão é sempre bom para o café da manhã.”

“É o que eu sempre como,” ela disse, dizendo qualquer coisa que tinha que dizer para convencer seu novo belo amigo.

“Bom, então isso será fácil para você. Eu apenas vou ficar aqui e observar,” disse Aladdin, parecendo se divertir.

“É. Eu vou fazer isso sozinha,” ela disse, sentindo seu coração martelar fortemente.

“Está nervosa?” Aladdin perguntou divertido.

“Não. Por que eu estaria nervosa?”

“Eu não sei. Por que você estaria nervoso, Jamar?”

Jasmine podia sentir Aladdin desmontando sua história lentamente. Ele tinha que fazer algo rápido. “Eu não sei. Não há motivo nenhum,” disse Jasmine, erguendo o queixo e marchando em direção à barraca.

Por mais confiante que ele estivesse tentando parecer, seus joelhos estavam tremendo tanto que ele mal conseguia andar direito. O que ele estava fazendo? Nunca tendo ido a um mercado, ele estava prestes a roubar algo.

Embora… não importava como ele se chamasse, ele não continuava sendo o príncipe? Esse não era o reino dele, quer ele reivindicasse ou não. E isso não significava que tudo no mercado era dele, quer os vendedores soubessem ou não?

Foi com isso em mente que Jasmine caminhou em direção a um carrinho cheio de pães. Cada fibra de seu ser queria olhar para o homem parado na frente dele, mas ele não fez. Ele pensou nele como um dos servos que o cercavam diariamente. Ele nunca olhava para eles e eles nunca olhavam para ele.

Com o queixo ainda erguido, Jasmine se aproximou do carrinho de pães, examinou os muitos pães que lá estavam, pegou um e virou-se para ir embora. Foi simples assim… ou era o que Jasmine pensava. Quando sentiu um aperto forte no ombro, percebeu que não seria tão fácil.

“O que você está fazendo tocando no meu pão?” O homem redondo gritou. “Você vai perder a mão por isso, seu rato de rua. Guarda! Guarda!”

Jasmine não podia acreditar no que estava pensando. Ele realmente achava que seria tão fácil?

Jasmine virou-se e olhou nos olhos do padeiro. Estavam novamente furiosos. Ele nunca percebeu o quanto olhos irritados poderiam ser assustadores. O que ele deveria fazer? Ele poderia soltar o pão e correr, mas da maneira como o homem o segurava, ele não achava que conseguiria escapar.

“Guarda!” O homem gritou novamente.

Foi então que Aladdin, mais uma vez, veio para o socorro.

“Ei!” Aladdin gritou correndo em direção a eles.

O padeiro virou-se para Aladdin, paralisado à vista dele. Ainda segurando o ombro de Jasmine, estendeu a outra mão bloqueando suas mercadorias. Mas esse não era o destino de Aladdin. Ele estava indo diretamente ao padeiro. Quando o homem percebeu, imediatamente soltou Jasmine para se proteger.

“Corra!” Aladdin ordenou.

Liberado, Jasmine fez o que lhe foi dito. Com o pão apertado firmemente sob seu braço, Jasmine deu no pé. Ele não olhou para trás. Sabia que as pessoas estavam olhando para ele agora e ele não gostava disso. Mas rapidamente pôde sentir a atenção de todos se desviar. Um garoto havia corrido em direção ao padeiro, saltou sobre ele no último segundo, e então aterrissou sobre o carrinho de pães, derrubando-o.

Dali, o garoto saltou de carrinho em carrinho, derrubando cada um enquanto passava. As mercadorias das pessoas voavam para todos os lados. Estavam causando um tumulto. As pessoas estavam gritando e reclamando. Havia até um bebê chorando ao fundo. Era um caos e era emocionante.

Após correr pelo mercado, Jasmine escondeu-se em um beco e, em seguida, em outro. Ele estava correndo como se sua vida dependesse disso porque dependia. E segurou o pão como se fosse a coisa mais importante do mundo, porque, naquele momento, era.

Aquele pão representava sua libertação. Ele não era mais um príncipe prisioneiro a quem ninguém olhava. Ele era um garoto que todos observavam. E a única pessoa que as pessoas olhavam mais era o amigo dele. Por mais aterrorizado que estivesse, ele adorava tudo o que estava acontecendo. A única coisa que realmente o assustava era a ideia de correr tanto que Aladdin não pudesse encontrá-lo.

Diminuindo o passo, Jasmine olhou para trás. O mercado agora estava fora de vista. Ele havia virado muitas esquinas. O que ele deveria fazer agora? Como Aladdin iria encontrá-lo de novo?

Pensando nisso, Jasmine parou. Ele tinha corrido demais? Jasmine, com a respiração ofegante, olhou para trás, seguindo seu próprio rastro. O que estava acontecendo lá atrás? Deveria ele voltar? Aladdin era a única pessoa que ele conhecia na cidade. E se ele o tivesse perdido junto com os outros? Seria horrível. Jasmine não quería isso.

Ela precisava voltar. Precisava encontrá-lo. Se significava devolver o pão, tudo bem. Ela precisava encontrar Aladdin. No que estava pensando ao correr tanto assim? Ela cometera um erro.

“Caminho errado!” Alguém disse acima dela.

Jasmine, com o medo estampado no rosto, procurou a voz familiar.

“Não, não por aí,” disse Aladdin em tom de brincadeira.

Jasmine então olhou para cima. Ela estava cercada por prédios de dois andares. Olhando para baixo do prédio ao lado dela estava Aladdin. Seu coração doeu. Ele estava bem e a tinha encontrado. Vê-lo, ela não pôde evitar de rir. Aladdin exibiu um sorriso encantador e apontou na direção para a qual ela tinha corrido.

Jasmine estava admirada com aquele menino. Como ele havia subido lá? Ele era parte de um circo, como os que ela havia lido em seus livros? Ela não sabia, mas gostava dele. De fato, mesmo enquanto corria ao seu ritmo, não conseguiu parar de olhar para ele. Ele era incrível e Jasmine sentiu novamente um formigamento que raramente sentira antes.

A única outra vez que ela se lembra de ter sentido isso foi quando pensou no homem com quem Vizier estava falando sobre a passagem de fuga. Ele era bem diferente de Aladdin, mas por muito tempo depois de vê-lo, mal conseguia tirá-lo de sua mente. Era a maneira como o homem a olhava em seu sonho. Era como se ele pudesse ver sua alma.

Ela se sentiu nua sob o olhar do lindo homem dos sonhos. E agora, pela primeira vez desde então, Jasmine se sentiu vista novamente. Era revigorante.

“Suba,” Aladdin instruiu, apontando para algo que poderia ter sido considerado escadas.

“Como?”

“Só suba.”

Jasmine examinou novamente a coleção de bambus podres à sua frente.

“Jogue o pão pra cima,” Aladdin disse, chamando sua atenção.

Jasmine olhou para o menino e fez o que lhe foi dito. Aladdin estava certo em pedir. Subir se tornou muito mais fácil com as duas mãos.

Conforme ela puxava seu caminho para cima, toda a estrutura balançava. A coisa poderia ter caído a qualquer momento. Jasmine não conseguia entender como ainda estava de pé. E quando entrou no prédio ao qual as escadas oscilantes estavam anexadas, ela se perguntou como o prédio ainda estava em pé.

“Você conseguiu?” Aladdin disse com a boca cheia de pão e um sorriso.

“Como você escapou?” Jasmine perguntou, sentando-se ao lado de Aladdin no chão.

“Eu tenho meus truques,” Aladdin respondeu com mais charme do que Jasmine podia suportar.

“Vou conseguir um pouco do meu pão?” Jasmine perguntou brincando.

“Seu pão? Sim, não tinha como você escapar se eu não agisse. Se eu não fizesse algo, você ia perder a mão,” ele disse, orgulhoso de si mesmo.

“Espera, isso realmente poderia ter acontecido?” Ela perguntou, tocando o pulso.

Aladdin olhou para Jasmine, perplexo. “De onde você é?”

“Eu te disse. Eu sou da próxima cidade”, ela repetiu nervosamente.

“E como eles punem os ladrões lá?”

“Eu não sei. Eles os colocam na cadeia.”

“Bem, nesta cidade, é…” Aladdin fez o som de uma espada cortando um osso. “E é assim que você pode dizer que eu sou bom. Veja, as duas mãos.”

“Eu nunca percebi que eles faziam isso aqui,” Jasmine disse, desolada.

“O quê? Pensando em voltar para casa?”

Jasmine não tinha seguido seu raciocínio até sua conclusão, mas considerando o que acabara de aprender e que ela não tinha dinheiro nem um lugar para dormir, talvez não fosse uma má ideia.

“Não, eu não vou voltar para casa. Existem coisas piores do que perder a mão.”

“Então, você vai ter que descobrir como melhorar no roubo. Você não pode simplesmente se aproximar do carrinho e pegar. Você tem que ser sutil. Você tem que esperar até que a pessoa esteja distraída, então você tem que agarrá-lo e ir embora. É assim que eu faço. E…” Aladdin mostrou suas duas mãos novamente.

Jasmine não respondeu. Isso tudo era muito angustiante para ela. Então, em vez disso, ela apenas olhou para o pão, esperou que Aladdin o dividisse ao meio e comeu.

“Então, Jamar, me diga como você conseguiu esse manto? Não há como um lojista deixaria alguém com a sua aparência em sua loja, muito menos dentro dela tempo suficiente para pegar algo.”

Jasmine olhou para Aladdin sem entender o que ele queria dizer. Como ela parecia? Jasmine olhou para si mesma. Examinando suas roupas empoeiradas, ela percebeu que Aladdin estava certo. Ela parecia muito com Aladdin. Seria por isso que os homens a chamaram de rato de rua?

“Sim, eu acho que você está certo. Ninguém jamais me deixaria em sua loja parecendo assim. Eu, uh, encontrei o manto. Simplesmente o peguei.”

“E o cabelo?” Aladdin perguntou, satisfeito por ter visto através de sua mentira.

“O cabelo?”

“Oh espera, deixa eu adivinhar, você pegou de uma barbearia?”

“Sim, é isso. Sim, eu peguei de uma barbearia. Deve ter sido da esposa do barbeiro e estava lá em uma pilha de cabelo. Acho que algum grudou nela quando a peguei.”

“Sim, foi o que eu pensei. Certifique-se de aprender essa lição. Não tem como enganar o velho Aladdin aqui” ele disse, radiante de confiança.

“Sim, acho que não. Foi tolice tentar,” disse Jasmine, divertida.

“Sim, você foi, Jamar. Sim, você foi.”

Os dois caíram no silêncio enquanto continuavam a comer. Jasmine olhava para Aladdin de vez em quando. Quando ele a flagrava encarando-o, ela rapidamente desviava o olhar. Ela esperava não estar corada, mas percebeu que estava. Não tinha como evitar. Ele era diferente de qualquer garoto que ela já conhecera, e isso não era apenas pelo fato de ele ser o único rapaz de sua idade que ela havia conhecido.

“Você me olha de maneira diferente.” Disse Aladdin, após perceber que estava sendo alvo dos olhares de Jasmine por demasiadas vezes.

“Eu olho? Desculpe…”

“Não, tudo bem. Eu gosto,” respondeu Aladdin com um sorriso vulnerável. “Então, me diga, o robe foi o único motivo para você deixar a sua cidade?”

“Como assim?”

“Quero dizer, parece que você é o tipo de pessoa que poderia estar fugindo de algo.”

Jasmine reconheceu que, apesar de Aladdin ter perdido alguns pontos óbvios, na última questão ele acertou em cheio. Ela estava fugindo de algo.

“É… eu acho.”

“Entendi. Isso é interessante.”

“E você? Como acabou aqui? Está fugindo de algo?”

A costumeira confiança de Aladdin desapareceu com a pergunta de Jasmine. “Acho que são duas perguntas diferentes. Eu vivo nas ruas porque não tenho uma família. E… talvez eu esteja fugindo da mesma coisa que você.”

Jasmine não entendeu o que ele quis dizer com “fugindo da mesma coisa”. Mas ela não queria se aprofundar em perguntas para as quais teria dificuldade em responder.

“O que aconteceu com a sua família?” perguntou Jasmine, demonstrando empatia.

“Eu não sei. Não tenho muitas lembranças delas. Só me lembro de que me amavam. E tenho uma vaga lembrança de que o cabelo da minha mãe cheirava a jasmim.”

O coração de Jasmine parou ao ouvir seu nome. Ele teria dito de propósito? Será que ele realmente sabia quem ela era? Mas… como poderia? Como ele saberia como a princesa se parecia, considerando que Jasmine nunca havia saído do palácio?

“Você está me dando aquele olhar de novo,” comentou Aladdin.

“Desculpe,” disse Jasmine, desviando o olhar.

“Tudo bem,” Aladdin confortou antes de deslizar na direção dela e enfiar seus dedos em seu cabelo curto.

Nesse exato momento, Jasmine percebeu. Aladdin não a reconheceu como a princesa. Ele sequer a reconheceu como sendo uma garota. Aladdin pensou que ela era um menino e a tratou com delicadeza por conta disso.

Ela não entendia o que estava acontecendo. Será que era assim que os meninos tratavam outros meninos quando ninguém estava por perto? A carne entre suas pernas pulsava com a perspectiva. Ela sentia que Aladdin estava prestes a beijá-la. Ela poderia permitir que isso acontecesse? Ela queria. Nunca quis algo mais em toda a sua vida. Porém, não seria um momento roubado, um que nunca foi feito para alguém como ela?

Sem pensar direito, Jasmine virou a cabeça quebrando o momento. Sentiu uma dor no coração por ter feito isso. Se arrependeu imediatamente. Era tarde demais agora, no entanto.

Com sua rejeição, Aladdin recuou. Ele continuou buscando o olhar dela, mas ela não devolveu a tentativa. Ela estava envergonhada.

Aladdin se inclinou para trás de maneira constrangida. Jasmine olhou para ele se perguntando qual seria seu próximo passo. Ela tinha estragado tudo?

“Quanto da cidade você já viu?” Aladdin perguntou, mudando de repente o foco da conversa.

“Quase nada,” admitiu Jasmine.

“Então, que tal se eu te mostrar? Você gostaria?”

“Eu gostaria,” ele disse, sentindo-se ainda mais atraído por ele.

“Então, vamos,” ele disse, se levantando e estendendo a mão.

Jasmine pegou a sua mão e se levantou. Ele não o soltou. Levou-o por uma janela e para o telhado do prédio ao lado. Correndo pelo telhado de mãos dadas com Aladdin, ele se sentiu livre. O toque dela o estimulou. Ele nunca se sentiu tão vivo. Era isso que esperava quando fugiu do palácio e agora tinha conseguido.

Os dois pulavam de telhado em telhado, vendo as maravilhas de uma das maiores cidades do norte da China. As mesquitas com seus domos dourados brilhavam sob a luz do sol. E quando a cidade parava para rezar, eles também, embora nenhum dos dois fosse devoto.

À medida que o dia se transformava em noite, Aladdin levou-o para uma parte da cidade que Jasmine conseguia ver da varanda do palácio. Ele ouviu dizer que essa era a parte perigosa da cidade. Tudo isso o animava. Ele estava com medo, mas também sabia que Aladdin o protegeria.

Ao se aproximarem da porta de um estabelecimento barulhento, Jasmine desejou que ela o abraçasse. Ele tinha certeza de que, vestido como uma menina, ela jamais faria isso. Talvez de volta à privacidade de sua casa abandonada, mas não em público. Mas só a ideia disso já fazia Jasmine se sentir aquecido.

“Já esteve em um cassino antes?” perguntou Aladdin com um sorriso.

“Um cassino? O que é isso?”

O sorriso de Aladdin se iluminou. “Você vai ver.”

Aladdin andou até a porta e bateu.

“Quem é?” Um tom áspero de voz perguntou.

“O pássaro do deserto grasna como o chapéu do sultão,” disse Aladdin antes de a porta se abrir e ele chamar Jasmine para entrar.

“Fahim, meu parceiro. Este é Jamar. Ele é gente boa,” ele disse, apontando para Jasmine.

Um homem robusto e bigodudo deu uma olhada suspeita em Jasmine. Depois de olhá-lo de cima a baixo, grunhiu. “Não cause problemas aqui esta noite, Aladdin,” disse o homem, desviando sua atenção.

“Eu? Causar problemas? Jamais,” declarou Aladdin, fingindo estar chocado que Fahim pudesse sugerir tal coisa.

Fahim encarou Aladdin e grunhiu. Aladdin fez um gesto para Jasmine entrar, passando pelo homem robusto.

“E é assim que se entra,” declarou Aladdin com um sorriso vitorioso.

Jasmine olhou em volta, observando as mesas e as pessoas sentadas nelas. A primeira coisa que notou foi que só havia homens. Este era um lugar que nunca teria conseguido ver como princesa.

A segunda coisa que notou foram todas as marcações nas mesas.

“O que é isso?” Jasmine perguntou, atraído por tudo aquilo.

“É Sic Bo. Um jogo de sorte. Me diga, Jamar, está se sentindo sortudo?”

Jasmine pensou por um segundo. Não sabia. Certamente, tinha tido sorte em encontrar Aladdin. Mas isso o tornava sortudo em geral?

“Sim,” Jasmine concluiu com um sorriso.

“Então, que tal testarmos essa sorte?”

“Como?”

De frente para Jasmine, Aladdin recuou, esbarrando em um homem muito bêbado. O homem cambaleou e, se não fosse por Aladdin segurá-lo, teria caído.

“Olha por onde vai,” o homem bêbado balbuciou.

“Peço desculpas,” Aladdin proclamou. “Deixe-me ajudar,” disse Aladdin, estendendo a mão para ele.

“Não preciso da sua ajuda. Apenas saia do meu caminho da próxima vez.”

“Certo. Fora do seu caminho. Entendi,” Aladdin disse com uma reverência.

Pegando o braço de Jasmine, Aladdin o conduziu para longe. “Como, perguntou você? Com isso,” ele disse, mostrando-lhe uma ficha de Sic Bo.

“De onde você tirou isso?” Jasmine perguntou, maravilhado.

“Eu poderia ter adquirido de um amigo bêbado que acabei de esbarrar?”

“Você roubou?” Jasmine perguntou, inseguro sobre seus sentimentos. Pegar comida era uma coisa. Todos precisam comer. Roubar dinheiro era outra.

“Não se preocupe, eu devolverei. Nossa sorte vai nos fazer ganhar tanto dinheiro que poderemos comprar este lugar quando terminarmos.”

“Não tenho tanta certeza disso,” Jasmine disse, sentindo seu estômago roncar. Ele não comia desde o meio pão pela manhã e agora já passava da hora do jantar.

“Vamos lá, Jamar. Eu acredito em você.”

Jasmine olhou em volta, sentindo a energia do ambiente preenchê-lo. Alguns homens estavam rindo e dando tapinhas uns nos outros. Alguns estavam caídos sobre uma bebida. E por todos os lados havia sinais de uma vida que ultrapassava em muito o controle e o tédio que ele vivia no palácio.

“Tudo bem. O que eu faço?”

“Isso aí. Então, você vai pegar essa ficha e dirigir-se àquela mesa. Você vai colocá-la em um número. O crupiê então vai jogar os dados e, se o seu número sair, nós ganhamos.”

“É só isso?” Jasmine perguntou, nervoso.

“É só isso,” Aladdin respondeu, confiante.

“Como eu escolho o número?”

“Bem, você apenas fecha os olhos e escolhe.”

“Apenas fecho meus olhos e escolho?”

“Eu acredito em você,” Aladdin confirmou.

Jasmine sentiu seu coração bater forte enquanto se afastava de Aladdin e se dirigia à mesa. Havia apenas outro homem ali. Ao se sentar, ele sentiu o olhar do crupiê sobre si. Ele o encarou.

“Não, obrigado. Vou apenas assistir a uma rodada.”

“A mesa é apenas para quem joga,” o homem carrancudo resmungou.

“Ah, entendi.”

Jasmine olhou novamente para todos os números. Havia tantos números quantas eram as possíveis combinações dos três dados do crupiê.

“Coloque sua ficha ou se afaste,” o homem exigiu.

“Tudo bem, estou decidindo,” ele disse, sentindo a pressão. Como príncipe, ele tinha acesso a mais dinheiro do que qualquer pessoa em todo o reino. Mas, com Aladdin e o jantar deles dependendo dele, essa única ficha parecia a fortuna mais preciosa do mundo.

Controlando-se, Jasmine moveu a mão pelo tabuleiro. Ele estava pensando no número 24, mas também estava pensando no 3. O 17 seria a aposta mais segura. Havia muitas combinações possíveis para esse número. Mas, ainda assim, havia algo no número 3 que o chamava.

“Número 3,” Jasmine disse, colocando sua ficha.

Ao ver o crupiê colocar os dados em sua xícara, Jasmine percebeu o quão ruim havia sido sua decisão. O crupiê teria que jogar três 1s para que ele ganhasse. Quais eram as chances disso acontecer? Seus instrutores não lhe haviam ensinado muita matemática, mas ele imaginava que as chances não eram boas.

O crupiê levantou a xícara, sacudiu e lentamente jogou os dados na mesa. O coração de Jasmine batia feito um coelho. Com uma camada de umidade na testa, suas mãos suavam.

“Três”, o crupiê anunciou para o completo choque de Jasmine.

“Você conseguiu”, Jasmine ouviu alguém dizer atrás de si. “Eu sabia que você conseguiria. Agora, escolha outro número e aposte tudo de novo”, Aladdin insistiu.

“Não!” Jasmine protestou, chocado. “Eu não posso fazer isso de novo.”

“Pode sim. Apenas escolha outro número.”

Jasmine olhou para o monte de fichas que o crupiê empurrou para ele. Devia ter uns 20. Não tinha como ele arriscar tudo.

“Que tal a metade?” Ele sugeriu.

“Não. Tem que ser tudo”, Aladdin disse com um sorriso.

Jasmine estava à beira de um colapso. Ele havia ganhado tanto. Não tinha como ele conseguir fazer isso novamente.

“Vamos lá. Apenas faça o que fez da última vez. Escolha um número e jogue,” Aladdin explicou.

Jasmine voltou o olhar para o tabuleiro. Qual era a sua sensação desta vez? 7 parecia uma boa escolha. Ou talvez 14. Ele não sabia.

Bem, Aladdin havia dito para ele fechar os olhos e escolher. Foi o que ele faria. Então, ele fechou os olhos e empurrou o monte de fichas para o tabuleiro. Quando abriu os olhos, eles estavam novamente no 3.

“Ahh,” Aladdin gemeu.

“O quê? Eu fiz errado?”

“É que, você nunca joga no mesmo espaço duas vezes. Dá azar.”

“Posso mudar?”

“As apostas estão feitas,” o crupiê disse, bloqueando a mão de Jasmine.

“Mas eu coloquei no lugar errado.”

“As apostas estão feitas!”

Jasmine retirou a mão com medo de que ela fosse cortada. Ele definitivamente havia cometido um erro. O que ele estava pensando ao empurrar cegamente suas fichas? Ele tinha arruinado tudo. Aladdin nunca iria perdoá-lo por perder todas as fichas e ele o deixaria nas ruas para morrer de fome.

“Três”, disseram os crupiês, para espanto de todos os observadores.

O coração de Jasmine afundou ao ouvir as palavras. O barulho ao redor dele silenciou. Sentiu um burburinho dentro dele que começou em todos os lugares e lentamente se focou em um único ponto.

Ele se virou para Aladdin e o encarou. Como se em câmera lenta, ele comemorou, levantando os braços. Ele precisava ser acariciado por ele. O pensamento de tê-lo envolvendo-o com seus braços e pressionando seus lábios contra os dele o enchia de ondas de excitação.

Jasmine o queria desesperadamente. Ele não se importava mais se ele desejava Jamar ou o garoto dentro dele. Ele precisava ser amado por Aladdin, e estava disposto a fazer o que fosse necessário para consegui-lo.