PROBLEMAS NO CASAMENTO DA MÁFIA

Capítulo 1

Dillon

 

Olhei para o meu celular pela centésima vez, querendo que ele tocasse. 19h24. Tyler estava oficialmente 24 minutos atrasado para o nosso encontro. Eu sacudia nervosamente a perna e mastigava o meu lábio inferior, incapaz de afastar o sentimento de angústia no meu estômago.

Não era o estilo do Tyler. Estávamos nos comunicando online há semanas e ele parecia tão doce, tão autêntico. Eu realmente pensei que isso poderia ser o início de algo real. Meu coração palpitava ao ler as mensagens de Tyler, vendo o quanto ele era considerado, o interesse que ele tinha na minha vida e nos meus sonhos. Isso me deu esperança de que talvez, apenas talvez, eu pudesse encontrar um amor como o do meu melhor amigo, Hil.

Hil conheceu seu namorado Cali de maneira tão descomplicada, se envolvendo instantaneamente em um relacionamento fácil e amoroso. E lá estava eu, ainda lutando para conseguir um primeiro encontro com um cara com quem eu realmente havia me conectado online. Um cara que parecia compartilhar meus sentimentos e entender o que era ser jovem, gay e em busca do amor.

Tudo sempre parecia muito mais difícil para mim – equilibrar os gastos, terminar a escola, encontrar alguém que me amasse pelo que eu sou. Agora, aqui estava eu, sentado sozinho no aconchegante café que Tyler e eu havíamos escolhido para o nosso primeiro encontro.

Será que eu havia interpretado completamente errado os sinais com Tyler? Ele estava apenas em busca de uma noite casual e nada mais? Ou pior, será que eu me iludi com alguém que apenas me atraía com promessas vazias?

Chequei meu celular novamente. 19h27. A angústia no meu estômago piorou. Segurando as lágrimas, murmurei para mim mesmo, “Não chore, seu idiota. É apenas o primeiro encontro.”

Mas era mais do que isso e eu sabia. Esse encontro representava algo muito maior – uma chance para o verdadeiro amor que eu desejava desesperadamente. Uma possibilidade de finalmente ter alguém que me enxergasse, que me desejasse, que me amasse exatamente por quem eu era.

Tudo que eu queria era o que parecia vir tão facilmente para todos os outros – um parceiro amoroso ao meu lado. Mas decepção após decepção estava começando a me desmotivar.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto quando a porta do café tocou. Rapidamente a enxuguei, me sentindo tolo. Um casal atraente entrou, braços dados, rindo levemente juntos. A angústia no meu estômago se apertou ainda mais. Ele não viria. E eu nem mesmo valia uma mensagem.

Engolindo em seco, eu não conseguia suportar a ideia de voltar para o meu apartamento vazio naquela noite com mais um fracasso para relevar eternamente. Tudo que eu queria era saber como era ser amado. Era pedir demais?

Mas à medida que os minutos passavam, a realidade se impunha. Eu havia sido tolo ao criar expectativas em primeiro lugar. Então, com um suspiro profundo e tremulante, peguei meu casaco e saí do café sozinho.

 

 

Capítulo 2

Remy

 

Estava no outrora grandioso escritório do meu pai, que agora se transformara num quarto de cuidados paliativos improvisado. Hil e minha mãe estavam comigo, todos nós olhando para o corpo inerte do nosso pai. O silêncio era sufocante, só quebrado pelos soluços suaves da minha mãe tentando segurar as lágrimas.

Senti uma tristeza profunda. Mas, olhando para as sombras que a luz fraca lançava no rosto do meu pai, sentia algo mais. Seu legado era complexo. Passei a vida tentando provar meu valor. Fiz coisas das quais me envergonho. Agora que ele se fora, me perguntava se tudo havia sido em vão.

Hil quebrou o silêncio. “Eu vou cuidar do funeral. Quero fazer isso pelo nosso pai,” ele disse, a voz tremendo de emoção. Notei que ainda buscava a aprovação do pai, mesmo após sua morte.

Olhei para ele, o coração pesado pelo meu irmão que tentou tanto evitar a vida criminosa que nossa família estava enfiada. Ele não era talhado para isso como eu. Diferente de mim, ele nunca conseguiu esconder sua atração por homens. Era algo que carregava como uma marca indelével. Para crédito de nosso pai, ele nunca julgou Hil por isso. Mas quando meu pai e eu ficávamos a sós, ele não escondia sua decepção.

Não era por causa de quem Hil preferia se deitar. Era pelo que isso dizia sobre sua capacidade de sobreviver em nosso mundo implacável. As pessoas queriam matar meu pai. Dada a maneira como nosso pai conquistara seu poder, eu entendia o motivo.

Mas isso significava que ninguém em nossa família estava a salvo. Hil, com sua natureza sensível, sempre precisaria de alguém para mantê-lo seguro. Papai estava disposto a fazer isso, mas era claro que ele queria um filho capaz de se cuidar.

Foi isso que me tornei para ele. Cuidei de mim. Sempre inseguro sobre quando a proteção que ele dava a Hil acabaria, logo comecei a cuidar de Hil também. Não me incomodava. Ele era meu irmão mais novo. Era minha responsabilidade. Mas ter que ser o homem que meu pai queria que eu fosse cobrava seu preço.

“Obrigado, Hil”, respondi, minha voz revelando a dor em que estava.

Minha mãe estendeu a mão e apertou a minha, o toque dela pulsava com uma mistura de tristeza e gratidão. Eu podia ver a esperança nos olhos dela de um futuro melhor, livre da violência e do perigo que assombraram nossa família por tanto tempo.

Os meus pensamentos viajaram para o pacto que havia feito com Armand Clément, o mais implacável rival do meu pai. Eu concordei em entregar-lhe os negócios ilegais do meu pai em troca da manutenção dos negócios legais e da segurança da minha família.

Estariamos fora do mundo da máfia, e sob sua proteção. Era um arriscado blefe, mas eu não suportava a ideia de continuar com a imensa pressão que meu pai havia colocado sobre mim.

Além disso, a nossa família já tinha muito pelo que se redimir. Em algum momento, eu teria que encontrar uma maneira de retribuir à sociedade. A obsessão do meu pai pelo poder causara muita dor. Esse não podia ser o único legado da minha família ao mundo.

Foi então que pensei em Dillon. Ele era o melhor amigo de Hil e o garoto cuja presença nunca deixava esquecer que eu não era heterossexual. Suas linhas suaves, sua pele banhada pelo sol, e seus cachos nos quais eu ansiava por passar os dedos.

Ele me transformava num homem que sonhava todas as noites em abraçá-lo. Eu fantasiava em deslizar minha mão por sua camisa e envolver seu peito estreito com minhas mãos. Ele era meu porto seguro nas tempestuosas marés do meu pai e agora, o oceano que me separava dele estava à minha frente: morto, saudoso e lamentado.

Pedi licença antes que minha família visse o sorriso que timidamente surgia no meu rosto, e dirigi-me ao meu antigo quarto. Eu não podia esperar mais um segundo. Eu precisava ouvir a voz dele. O pensamento fez meu coração acelerar. Eu tinha que ligar para ele.

Pegando meu telefone, achei seu número. Respirei fundo e disquei. Meu coração batia forte de antecipação. O telefone tocou e minhas mãos começaram a suar.

“Alô?” A voz de Dillon veio do outro lado da linha, aconchegante e reconfortante como sempre.

“Oi, Dillon, é o Remy.” Tentei manter a voz firme ao falar. “Eu só queria te avisar que meu pai… ele faleceu.”

“Ah, Remy, sinto muito.” Como todos nós, ele sabia que isso ia acontecer. Mas a empatia dele me envolveu como uma onda confortante. “Como você está?”

Minha garganta apertou enquanto eu lutava para manter a compostura. “Estou… dando conta,” admiti, o peso de minhas emoções ameaçando transbordar. Desesperado para recuperar o controle, mudei rapidamente de assunto. “Escuta, eu estava pensando se você poderia me ajudar com uma coisa.”

“Claro. O que é?”

“Hil disse que quer cuidar dos preparativos do funeral. Acho que ele realmente precisa do seu apoio agora.”

Houve uma pausa do outro lado da linha antes de Dillon finalmente concordar. “Você não precisava pedir isso, Remy. Eu farei o que puder para ajudar.”

O silêncio que se seguiu estava carregado de palavras não ditas, meu coração doía para contar a ele a verdade sobre meus sentimentos. Mas eu não conseguia dizer, ainda não.

“Obrigado. Eu sempre sei que posso contar com você.” agradeci sorrindo.

“Não é problema, Remy. Eu gosto de poder ajudar você… e Hil,” ele me garantiu, a voz cheia de genuíno carinho. “Vamos passar por isso juntos. Só me diga do que precisa.”

Eu assenti, embora ele não pudesse me ver. “Eu agradeço.”

“Eu sei,” ele disse seguramente.

Quando desliguei o telefone, me perguntei o que estava fazendo. Eu não tinha mais que me limitar a conversas de dois minutos com ele. Eu estava livre. Eu não sabia o que ele sentia por mim, mas agora eu não precisava mais esconder meus sentimentos por ele. Era hora de contar a ele.

O calor tomou conta de mim ao pensar nisso. Era uma mistura de terror e excitação.

“Depois do funeral,” Eu disse em voz alta. “Minha nova vida começa no fim da minha antiga.”

Mal podia imaginar uma vida sem esconder e sem segredos, mas aqui estava. Eu ia abraçar a verdade e ver aonde ela me levaria. Será que ficar com Dillon seria realmente tão simples? Eu não sabia, mas estava prestes a descobrir.

 

 

Capítulo 3

Dillon

 

Encerrando a ligação com Remy, fiquei parada no meu apartamento com a minha bolsa ainda no ombro. Acabei de entrar, voltei de um encontro no qual levei um cano e a voz de Remy foi a primeira que ouvi. Já não sentia mais meu rosto.

Remy havia me ligado? Eu me perguntava enquanto o meu coração disparava, dissipando a desilusão de uma hora atrás. Qual tinha sido o propósito daquela ligação?

Ele disse que foi para me pedir ajuda para o Hil, mas ele deveria saber que eu faria isso de qualquer maneira. Não, tinha que haver mais do que isso. Estaria ele procurando conforto pela morte do pai? Porque, por mais que eu quisesse, Remy e eu não éramos tão próximos.

Então, haveria outro motivo para sua ligação? Será que ele estava secretamente apaixonado por mim e que eu não estive louca todos esses anos sonhando que ele estava?

Fui abandonada no meu encontro esta noite por causa do Remy. Bem, não diretamente por causa dele. Mas foi porque me envolvi tanto na vida do Remy enquanto Hil estava desaparecido que percebi o vazio na minha vida. Será que teria sido o mesmo para ele?

Pensando nisso, automaticamente me lembrei dos inúmeros motivos pelos quais Remy não teria nenhum interesse em alguém como eu. Para começar, embora normalmente eu não fosse um desastre total, perto dele, eu era. Houve dois meses depois que eu e Hil nos tornamos amigos, que eu mal conseguia formar palavras na presença dele.

Eu tinha 14 anos, não 10. E sim, ele era incrivelmente bonito, até então. Mas não havia motivo para que eu perdesse a capacidade de falar quando ele estava por perto.

Então, houve aquela vez em que Remy nos pegou, Hil e eu, assistindo pornografia gay no quarto do Hil. Eu perguntei se ele tinha trancado a porta e ele me garantiu que sim. Portanto, quando Remy entrou de repente, nos encontrando ali, com as calças nas mãos, eu quase desmaiei.

E finalmente, não vamos esquecer daquela vez em que eu tinha 16 anos e os pais de Hil me permitiram ficar na casa deles enquanto a família de Hil levou minha mãe para viajar com eles. Eu tinha que estudar e não pude ir, mas pensei que teria o lugar só para mim, organizei uma festa particular, dançando nua no sótão, ainda completando com uma toalha turbante e uma escova de cabelo como microfone.

Foi naquele exato momento que Remy decidiu passar para verificar a casa. Não teria sido tão ruim se a pequena Dillon não estivesse tão empolgada. Mas quem poderia culpar a moça? Mostre-me alguém que não gosta de dançar ao som de ‘Bad Romance’ e eu te mostrarei alguém que não sabe o que é viver.

Minhas bochechas ardiam de vergonha com essas lembranças. Mas como sempre fiz, lembrei-me que o vexame que passei com Remy não importava. Porque, por mais que eu gostasse de fantasiar, um homem como o Remy, com seu corpo esculpido à la Deus Grego, cabelo maravilhoso, e status de príncipe da máfia, não se interessaria por mulheres, muito menos por alguém como eu.

Além disso, este não era momento para fantasias. Eu precisava me concentrar em ajudar Hil neste momento difícil. Apesar de terem uma relação complicada, eu sabia o quanto ele amava o pai. Sim, seu pai o havia confinado ao sótão, nunca permitindo que Hil tivesse uma vida social além de mim. Mas isso não era porque seu pai era um monstro. Eles levavam uma vida perigosa.

E não era como se seu pai estivesse errado. A única vez que Hil escapou da proteção da família, acabou sendo sequestrado por um dos rivais de seu pai. Remy e o namorado de Hil – Cali, tiveram que resgatá-lo. O cara atirou no Cali em troca de deixar Hil ir. Cali estava bem, mas ainda assim. Hil e Remy vivem em um mundo louco, e seu pai teve que protegê-los.

Por outro lado, ficou claro que Hil era gay e seu incrivelmente compreensivo pai o aceitou como ele era. Hil me contou que o pai jamais havia o feito se sentir mal por quem ele se sentia atraído. Seus pais até nos apresentaram, e não houve uma única vez em que o considerei heterossexual.

Portanto, apesar de tudo, o pai de Hil havia sido um pai melhor do que o meu jamais fora. E agora o pai dele havia partido. Meu coração doía por ele.

Respirei fundo e prometi superar todos os meus sentimentos por Remy, me concentrando em estar lá para Hil nas próximas semanas. E enquanto o formigamento que eu sempre sentia ao pensar em Remy diminuía, peguei meu celular novamente.

Não tinha certeza do porquê de estar nervosa, mas ao discar o número de Hil, meu coração batia acelerado. Quando ele atendeu, a voz de Hil estava trêmula.

“Oi, Dillon.”

“Oi, Hil… Acabei de ouvir sobre seu pai…”

Houve uma breve pausa. “Sério? Como?”

“Foi o Remy quem me contou”, eu disse, desejando poder compartilhar o quão incrível era ele ter me dito isso.

“Ah. Sim.”

“Sinto muito, Hil. Como você está?” Desejei poder atravessar o telefone e abraçá-lo.

“Está sendo muito difícil aceitar que ele se foi.”

“Não consigo nem imaginar. Mas saiba que estou aqui para você, tá? Qualquer coisa que precisar, estarei aqui.”

Hil suspirou, sua voz falhando um pouco. “Eu aprecio isso. Disse ao Remy que queria cuidar do funeral.”

“Nossa, isso é muita coisa.”

“Sim, mas contei ao Cali que eu estava planejando isso, e ele me ofereceu ajuda. Então, vou depender dele para a maioria das coisas.”

“Que bom!”

“Sim”, disse ele, seguido por um breve silêncio.

“Tem algo mais?”

“Sim, tem algo com o qual você pode me ajudar.”

“Claro! O que precisar. É só me dizer quando e onde.”

No dia seguinte, Hil e eu nos encontramos em um ateliê de urnas. Eu nem sabia que isso era uma coisa. Mas era, e lá estava eu.

O lugar exalava um ar sóbrio de elegância, com uma iluminação suave espalhando um brilho acolhedor sobre as urnas polidas e pintadas à mão. Estar lá, escolhendo o último lugar de descanso do pai de Hil, parecia surreal. Não era apenas por causa disso, também eram os preços.

Com todo o respeito, as urnas eram apenas vasos com tampas. Como é que uma delas poderia custar R$120,000? Claro, era de mármore e adornada com filigrana de ouro… seja lá o que isso fosse. Mal pude pagar o ônibus que peguei para chegar aqui.

Conforme deslizávamos pelos corredores, a conversa mudou do pai de Hil para Remy. Eu não havia tocado no assunto. Mas não iria desperdiçar uma oportunidade de dar material ao meu ‘potinho de desejos’ quando fosse apropriado pensar novamente sobre o irmão de meu melhor amigo.

“Acho que me resignei com o fato de meu pai gostar mais do Remy. Quero dizer, eu entendo. Ele tem a minha necessidade de cuidar de todos. Sempre foi assim, até quando éramos crianças.

“Houve momentos enquanto crescíamos juntos em que Remy fazia as piores coisas possíveis que um irmão mais velho pode fazer. Mas, se me perguntassem quem eu acreditava que me protegeria caso algo ruim acontecesse, eu nem precisaria pensar. Seria ele.”

Concordei, compreendendo o quanto Remy significava para Hil. “Ele sempre esteve lá para você, não é?”

“Sim, mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de me preocupar com ele.”

“Por que?” perguntei, com curiosidade.

Hil suspirou e passou a mão nos cabelos. “Porque ele simplesmente não consegue deixar a vida de nossa família para trás.”

“E por “vida em família” você está se referindo aos negócios da família?”

“Sim. Eu sei que ele fez um acordo que supostamente nos libertaria, mas não tenho certeza de que isso seja possível.”

“Mas você conseguiu,” eu disse, me referindo à nova vida de Hil em uma pequena cidade com seu namorado no Tennessee.

“Consegui, mas nunca fui realmente parte daquele mundo. Meu pai uma vez nos disse, a Remy e a mim, que a única maneira de sair de uma família como a nossa era morrer. Não acho que Remy conseguirá sair, mesmo que ele tente.”

Franzi a testa, não querendo acreditar naquilo. “Acho que com a pessoa certa ao lado dele, ele definitivamente poderia abandonar essa vida.”

Hil me olhou, seu rosto indecifrável. “Dillon, você está falando de você mesmo?”

Hesitei, percebendo como deve ter soado. “Bem, quero dizer, não só eu. Mas alguém que se importa com ele e quer vê-lo feliz.”

Hil mudou desconfortavelmente de posição, claramente não gostando da ideia. “Posso fazer uma pergunta séria? Porque eu sei que você gosta de brincar com essas coisas.”

“Claro que pode. O que é?”

“Você realmente acha que você e Remy…”

Assim que ele começou a dizer isso, meu rosto parecia estar pegando fogo. Não sabia se estava envergonhado ou magoado, mas eu não suportava ouvi-lo completar o que estava prestes a dizer.

“Quer dizer, por que não?” eu interrompi. “É tão ridículo pensar que eu poderia ser bom para ele?”

“Não, Dillon, não é isso.” Hil suspirou, sua voz carregada. “Acho que ele não é bom para você. Você é a melhor pessoa que eu conheço. E se algo acontecesse entre vocês dois? No melhor dos casos, ele te arrastaria para o mundo insano dele.

“Dillon, passei minha vida toda planejando minha fuga daquele lugar. Você poderia se arrepender muito por estar com Remy.” Hil pegou uma urna e a segurou entre nós. “Ou pior,” ele disse com tristeza nos olhos.

Olhando para o maldito jarro, um arrepio percorreu minha espinha. Mesmo com o que Hil disse, não conseguia eliminar minha fé em Remy.

“Hil, se algo acontecesse entre eu e Remy, ele me protegeria como protege você. Você não disse que é isso que ele faz? Você acha que ele poderia parar de proteger as pessoas se tentasse?”

Encontrando os olhos do Hil novamente, percebi sua frustração. Quando voltamos a examinar as urnas, achei que a conversa estava encerrada.

“Você sabe se Remy gosta de homens?” Hil falou de repente mais alto do que deveria em uma loja de urnas.

Em vez de responder, pensei em todos os olhares roubados e toques demorados que alimentaram minhas fantasias ao longo dos anos.

“Houve momentos, quando só estávamos nós dois, que me fizeram pensar que ele gosta,” confessei honestamente.

Hil ergueu uma sobrancelha. “Espera, quando é que vocês dois estiveram sozinhos?”

“Não foi muitas vezes,” admiti, “mas aconteceu ao longo dos anos. E, às vezes, quando isso acontece, ele olha para mim de uma forma que não pode ser heterossexual.”

Hil ainda parecia cético, mas antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, ele avistou uma urna que chamou sua atenção.

“Essa aqui,” ele disse segurando uma que exibia uma elegância senhorial. “O que você acha?”

“É linda. Acho que seu pai gostaria,” disse sinceramente.

“Vou levar,” ele decidiu com confiança. “E Dillon, por favor, esqueça o Remy. Eu sei como ele parece e quão charmoso ele pode ser, mas te prometo, isso tem um preço. Eu não suportaria se perdesse você também.”

Olhando para ele, vi a dor em seus olhos. Puxando-o para meus braços, disse: “Eu te amo, Hil. Sempre estarei aqui para você. Não importa o quê.”

“Eu não suportaria te perder,” ele repetiu me abraçando.

Mas segurando meu melhor amigo em meus braços, tomei uma decisão. Por mais que eu amasse Hil, eu não poderia ignorar o que sentia por Remy. Eu tinha que pelo menos descobrir como Remy se sentia em relação a mim.

Se ele não gostasse de homens, tudo bem. Eu aceitaria e seguiria em frente. Mas se houvesse uma chance de ele sentir o mesmo, eu tinha que arriscar.

Há alguns meses, Hil arriscou ao desaparecer de todos que o amavam. Esse risco levou a ele encontrar o cara com quem passará o resto de sua vida. Se Remy fosse esse cara para mim, eu precisava saber. E iria descobrir depois do funeral.

 

 

Capítulo 4

Remy

 

Olhando ao redor do elegante salão de conferências do prédio onde cresci, observei a iluminação suave e os sofisticados arranjos de flores adornando as mesas. O clima era pesado, um misto de luto e nostalgia, mas mesmo assim, ainda parecia a celebração de vida que deveria ser.

Observando os convidados, avistei minha mãe, dopada mas surpreendentemente sociável. Ela estava lidando com isso melhor do que eu esperava. Os milagres da farmacologia moderna, não é?

Além dela estava meu irmão, Hil, e seu namorado, Cali. Ver Cali sempre trazia um sorriso ao meu rosto. O grandalhão jogador de futebol universitário, que tinha a coragem de namorar um cara abertamente, era surpreendentemente fácil de desconcertar. Isso tornava provocá-lo divertidíssimo.

‘Vejamos, como irei chamá-lo hoje?’ Eu me perguntei, caminhando em direção a eles. Caipira? Não, eu o chamei assim da última vez. Jeca? Gasto. Rastreador de tratores? Imã de lama? Ficante de flanela?

Chegando perto do meu irmão enlutado, agarrei seu ombro e apertei.

“Você organizou um ótimo velório, Hil. Realmente. Todos estão impressionados. Papai teria adorado.”

Antes que Hil pudesse responder, me virei para Cali. “E neste caso, um ótimo trabalho significa que ele não colocou uma única foto de primos se beijando em público. Eu sei que isso é estranho para você.”

“Remy!” Hil protestou.

“O quê?” Eu perguntei inocentemente. “Estava garantindo que o seu Príncipe Caipira aqui pudesse acompanhar a conversa. Eu estava sendo inclusivo.”

Cali gaguejou, querendo responder, mas sabendo que não podia, por respeito à ocasião. O olhar torturado em seus olhos me trouxe um prazer indescritível.

“Remy, isso não é engraçado”, Hil repreendeu.

Eu fingi estar ferido. “Hil, você vai discutir comigo hoje? Aqui? Estamos no velório do nosso pai. Hil, eu estou de luto”, eu disse esperando que meu sorriso sarcástico não fosse visível.

Hil, sem palavras, silenciou tempo suficiente para que eu olhasse por cima de seu ombro. Atrás dele, sozinho, estava Dillon. Ele tinha estado nos observando. Quando nossos olhos se cruzaram, senti como se um torno apertasse meu coração.

Quando ele levantou o copo para os lábios, desviou o olhar. Mas já era tarde demais. Eu estava encantado. E pela primeira vez desde que nos conhecemos, eu estava livre para buscar o que queria, e o que eu queria era, mais dele.

“Remy, tudo que eu estou dizendo é…”

“…que você não tem empatia pelo meu luto. Sim, sim, sim. Eu sei, mas podemos continuar essa conversa mais tarde? Eu tenho convidados aflitos que preciso atender”, eu disse ao meu irmão mais novo, sentindo-me revigorado.

Atravessando a sala até o homem que eu desejava por tanto tempo, percebi que era a hora. Eu ia dizer a ele como me sentia. Eu sabia que deveria estar nervoso, mas não estava. A vida que eu tinha sonhado e planejado por anos estava ao meu alcance. Eu mal podia esperar por ela começar.

Ao me aproximar de Dillon, não pude deixar de sorrir.

“Obrigado por estar aqui”, eu disse sinceramente.

“Claro”, Dillon respondeu, seus olhos castanhos suaves e sinceros. “Se tem algo que posso fazer para ajudar, é só me avisar.”

Minha mente vacilou na beirada de pensamentos impróprios, mas eu me contive. “Na verdade, tem algo que eu preciso conversar com você.”

Dillon pareceu divertido. “Que coincidência, pois tem algo que eu preciso conversar com você. Mas você deve falar primeiro.”

“Sério?” Eu perguntei surpreso. “Nesse caso, por favor, a palavra é sua”, insisti educadamente.

“Não, fale primeiro. O meu pode esperar.”

“Não, não. Acho que você deve falar primeiro”, eu disse, mostrando a ele o tipo de namorado que eu seria para ele.

“Remy, por favor”, ele disse, tocando meu antebraço.

Um calor percorreu meu corpo. Não havia como resistir ao seu pedido agora.

“Sabe de uma coisa? Você está certo. O que eu tenho a dizer pode influenciar o que você tem a dizer, então eu deveria falar primeiro.”

“Ah!” Dillon disse surpreso. “Okay”, concordou nervosamente.

Eu me endireitei, um semblante sério se instalou em meu rosto. “Eu tenho pensado em você… em nós. E… eu não sei.”

Com o rosto corando, ele colocou seus dedos delicados no meu peito. “Espere, antes que você fale, eu preciso dizer isso.”

“Não, sério, eu deveria falar primeiro.”

Dillon insistiu, “Não fale até eu terminar de dizer o que tenho a falar.”

“Droga!”

“Não é nada ruim. Eu prometo”, Dillon me assegurou antes de perceber que meu olhar se fixava em algo atrás dele. “O que foi?”

“Preciso resolver algo, volto em um minuto e prometo que continuaremos essa conversa”, eu disse, relutante ao me afastar dele.

Atravessando a sala, fui ao encontro de Armand Clément, o maior rival do meu pai e o homem com quem havia feito um acordo. Para minha libertação do mundo da máfia, concordei em entregar a ele os negócios ilegais do meu pai.

Em troca, conservaria os negócios que havia criado do zero. Além disso, sua organização garantiria proteção à minha família. Eu tinha considerado a situação vantajosa para ambos. Ele conseguiria o que ele e meu pai tinham derramado sangue por, e eu seria livre para ter aquilo que eu tinha construído… e Dillon.

Hil, minha mãe e eu não devíamos mais nada a ele. Nunca teríamos que vê-lo novamente.

Entretanto, lá estava ele, acompanhado por dois de seus capangas e uma jovem loira deslumbrante que era jovem o suficiente para ser sua filha. Contendo minha vontade de esganá-lo, aproximei-me dele até ficar perto o suficiente para sentir seu hálito.

“O que faz aqui, Armand?” Eu perguntei, sem ceder nenhum espaço.

“Remy, estou aqui para prestar minhas condolências”, ele respondeu com um toque de sarcasmo.

“Valha-me. Se quisesse prestar respeito, não teria pisado no território do meu pai.”

“Mas este já não é mais o território do teu pai. É meu. Tudinho é meu. Graças a você.”

“E o nosso acordo incluída que você daria o fora e nos deixaria viver nossas vidas em paz.”

“Não”, corrigiu Armand, com um sorriso maroto. “Nosso acordo era que eu te trataria como da família. Por isso, eu estou aqui… pela família.”

Eu encarei seu rosto arrogante, com vontade de desferir um soco nele. Não poderia fazer isso. Não aqui. Não agora.

“Deixe de enrolar e diga logo o que quer, Armand. Por que você está aqui?”

O homem com um rosto marcado por uma cicatriz e um corpo forjado pelo excesso, deu um sorriso astuto.

“É isso que eu gosto em você. Você sempre quer ir direto ao ponto. Ok, vamos lá. Fiz algumas pesquisas. Parece que os negócios que deixei em suas mãos valem bem mais do que eu tinha imaginado. Meus contadores estimam em mais de um bilhão.”

“Você quer dizer os negócios que eu criei do nada, sem ajuda do meu pai.”

“Não, falo dos que você construiu nas costas do império do seu pai, um império que agora pertence a mim.”

“Não foi assim que aconteceu. Meu pai não teve nada a ver com as minhas empresas.”

“Mas o dinheiro dele teve. Dinheiro manchado pelo sangue do meu pessoal, à minha custa.”

Apertei os punhos, lutando para manter a calma. “Armand, eu lhe dei tudo o mais. O que mais você quer?” Exigi.

Seus olhos brilhavam de perversidade. “Na verdade, o que desejo é fazer uma proposta generosa. Não vou exigir a parte dos seus negócios que muitos diriam que eu mereço. Em vez disso, vou te dar uma forma de garantir a segurança das pessoas que você ama.”

“E como seria isso?”

“Unindo nossas famílias.” Ele indicou a jovem ao seu lado. “Eu quero que se case com minha filha, Eris.”

Olhei para ele atônito e então comecei a rir. “Você deve estar brincando.”

A expressão de Armand endureceu. “Não estou brincando, Remy. Case-se com minha filha e nossas famílias estarão unidas por mais do que apenas negócios. Eu não estou propondo essa união à toa. Recuse e considerarei um grande insulto.”

Olhei de Armand para a bela mulher ao seu lado, depois para Dillon, que observava atentamente do outro lado da sala. Eu entendi o que Armand estava sugerindo, mas isso não importava. Eu não poderia fazer isso. Não faria.

“Olha, eu agradeço a… proposta, mas não posso me casar com sua filha.”

Seus olhos se estreitaram. “Sugiro que você reconsidere, Remy. Você não vai querer me insultar. Não sobre isso. Se você o fizer, haverá… consequências.”

Ao ouvir sua ameaça, meu coração acelerou. Pesei rapidamente minhas opções, olhei novamente pela sala. Estava numa situação impossível. Não podia arriscar a segurança da minha família, nem colocar Dillon em perigo. Mas casar com Eris significaria desistir de qualquer oportunidade que tivesse com Dillon, o homem que eu amava.

Como poderia fazer isso? Não podia. Mas como poderia não fazer isso?

As mãos firmes de Armand agarraram meu bíceps, puxando-me para o lado e trazendo-me de volta à realidade. Estava prestes a mandá-lo para o inferno e enfrentar as consequências quando ele baixou a voz, falando de homem para homem.

“Vejo que você está indeciso. Talvez tenha alguém de quem goste mais?”

“Vá direto ao ponto,” eu insisti, sem vontade de discutir meus sentimentos por outro homem com ele.

“Meu ponto é: somos homens. E homens como nós não podem ser contidos. Não esperaria isso de você. Tudo que esperaria de você é um casamento e um herdeiro. Depois disso, quem pode dizer o que você faz? Viva a sua vida sem me ofender e, para mim, pouco importa com o que você se envolve.”

Eu olhei para Armand atônito. Ele estava sugerindo que eu traísse sua filha?

“Na minha família, é uma tradição,” ele confirmou, fazendo-me odiá-lo ainda mais.

Minha mente corria, alimentada pela raiva e impotência. Novamente considerei recusar, mas então olhei para seu capanga e o homem atarracado puxou para trás a jaqueta revelando o cabo de sua arma. Armand estava pronto para derramar sangue. Eu não poderia permitir que iss acontecesse numa sala cheia de pessoas que me importavam… e Cali.

Com os pensamentos correndo em direção ao pânico, cerrei os dentes e disse: “Tudo bem!” As palavras saíram de mim antes que percebesse o que estava dizendo.

“O que foi que você disse?”

Minha mandíbula se travou após tomar um momento para avaliar a situação. Ele me encurralara.

“Vou me casar com sua filha,” eu disse abismado pelas palavras saírem da minha boca.

O sorriso presunçoso de Armand voltou. Caminhando rapidamente para longe de mim, ele se dirigiu à sala capturando a atenção de todos.

“Senhoras e senhores, tenho grande respeito pelo homem que estamos aqui para homenagear hoje. Podemos ter tido nossas diferenças, mas o tempo para desacordos acabou.

“Nesse sentido, gostaria de anunciar uma notícia feliz num dia, de outra forma, triste. É o noivado da minha filha, Eris, com Remy Lyon, uma união que permitirá que a paz e a prosperidade floresçam para todos. Que nossa outrora amarga rivalidade termine aqui e que nossas grandes famílias se unam agora.

“Vamos aplaudir os noivos,” ele ordenou sorrindo de orelha a orelha.

Aplausos educados, porém confusos, encheram o ambiente. A incredulidade estava estampada no rosto da minha família. Era surreal. O que eu havia feito? A realidade da minha decisão não me atingiu até que cruzei o olhar com um Dillon chocado. Sua decepção e mágoa eram inescapáveis.

A forte emoção que sentia sobre falar com ele desvaneceu. Em seu lugar, um doloroso vazio. Eu desistira da minha chance de amar. E por quê?

Olhando para ele, percebi que, por estar tão perto de tê-lo, eu não poderia simplesmente deixá-lo ir. Mesmo que não pudesse estar com ele, necessitava tê-lo por perto. Sabia que devia lhe oferecer algo.

“Dillon,” chamei, quando ele estava à ponto de abrir a porta dos fundos parecendo à beira de um choro. Ele parou. Alcancei-o, envolvi meu braço em seu bíceps. Ele era tão frágil. Puxando-o para perto, ele recusou-se a olhar para mim.

“Era isso que você ia me dizer? Que ia se casar com aquela mulher?” ele desabafou, inundado de ciúme.

“Não. Não era nada disso.”

“Então você simplesmente não iria dizer nada sobre isso?” ele disse, finalmente olhando nos meus olhos.

“Não é isso que eu quis dizer.”

“Então o quê?”

Ele tinha razão. O que eu iria dizer a ele? Que acabei de entregar minha alma para preservar a vida de todos aqui? Era a verdade. Mas nem mesmo eu tinha um complexo de mártir tão grande.

Não, eu tive outras opções e fiz minha escolha. Agora eu tinha que viver com ela. Mas isso não significava que eu deixaria Dillon ir. De acordo com Armand, eu nem precisava. Embora, minha proposta para que Dillon fosse meu namorado provavelmente teria que mudar.

“Você consideraria trabalhar para mim? Eu poderia usar alguém em quem confio nos meus negócios.”

Ele hesitou, seu olhar fixo no meu. Apanhado de surpresa, parecia confuso.

“Remy, você sabe que eu ainda estou na faculdade, certo? Ainda tenho pelo menos um ano antes de me formar.”

“Mas, o recesso de verão está chegando, não está? E quando você se formar, vai precisar de experiência de trabalho. Então, nesse sentido, gostaria de te contratar como meu…”

“…seu secretário?” Dillon interrompeu.

Olhei para ele, surpreso com sua modesta suposição. Eu tinha pensado na ideia de bate-pronto, então na verdade não sabia o que ia propor. Mas ajudava saber o que ele esperava.

“Não,” eu retruquei. “Meu assistente. Você vai me ajudar diariamente e eu vou ter acesso a você sempre que precisar.”

“Parece um secretário para mim,” Dillon insistiu.

Eu balancei a cabeça, “Não é.”

“Eu ficaria sentado em uma mesa fora do seu escritório?”

A ideia de poder olhar a qualquer momento e ver ele imediatamente me excitava. “Com certeza. Essa parte é inegociável.”

“Isso é um secretário,” ele concluiu, ainda sem dar pistas de como se sentia em relação à ideia.

“Chame como quiser. A única coisa que importa para mim é: você aceita?”

 

 

Capítulo 5

Dillon

 

Estava sentada no chique café do Soho, esfregando minhas mãos suadas nas minhas calças, esperando por Hil. Meu coração batia acelerado, me perguntando o que ele diria sobre eu aceitar a oferta de trabalho do Remy. Ele estava certo a respeito de Remy não ter deixado o mundo da Máfia para trás. E agora, eu estava disposta a me inserir nesse mundo.

O café era uma mistura de moderno e vintage, com paredes de tijolos expostos, assentos de couro elegantes e um ambiente caloroso e convidativo. Era um lugar que frequentávamos quando éramos crianças. Muitas de nossas tardes de verão foram passadas aqui tomando café, imaginando-nos mais crescidos do que realmente éramos, aos olhos do guarda-costas de Hil a uma mesa de distância.

Vi a mesma memória nos olhos de Hil quando ele entrou. Dando-lhe um sorriso nervoso quando ele me olhou, veio em minha direção.

“Escolhi este lugar porque pensei que traria algumas lembranças,” eu disse quando ele se sentou.

Hil olhou ao redor, absorvendo o ambiente familiar.

“Se não fosse por você, eu não saberia nada sobre Nova Iorque,” ele admitiu. “Costumávamos vir aqui fingindo ser adultos. Agora estou morando com meu namorado e você está a um ano de se formar na faculdade. É estranho.”

“Sim. Estranho,” eu disse com uma risada, a nostalgia me aquecendo apesar da minha ansiedade.

Respirei fundo, absorvendo o resto da nossa antiga relação e disse, “Hil, Remy me ofereceu um emprego.”

Sua expressão permaneceu insondável. “Você não deveria aceitar, Dillon,” ele disse firmemente.

Meus olhos se encheram de água. Olhando para o colo, eu murmurei, “Tá bom.”

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, e a mão de Hil alcançou a minha em busca de conforto.

“Por que você está chorando?” ele perguntou suavemente.

Eu funguei, encontrando seu olhar. “Por que você acha que eu não sou boa o suficiente para a sua família?”

Hil suspirou, seus olhos se enchendo de preocupação.

“Não é isso, Dillon. Não é isso. A minha vida toda, me senti preso na louca vida da minha família. Não quero que você entre nessa cela comigo.” Ele fez uma pausa, recordando. “Você não sabe como era crescer naquele gaiola de um apartamento de cobertura, onde o único amigo que eu tinha só ficava comigo por pena.”

Eu balancei a cabeça, negando o que ele dizia. “Não é por isso que somos amigos, Hil. Somos amigos porque eu te amo.” Minha voz tremia conforme eu continuava, “E eu estou realmente cansada de ser o caso de caridade da sua família. Sou grata por isso. Não pense que não sou. Mas eu quero me firmar por conta própria.

“Se eu aceitasse a oferta do Remy, talvez pudesse fazer isso. E talvez, se eu me esforçasse e conquistasse o que é meu, pudesse te levar para sair ao invés de sempre depender da sua generosidade.”

Ao ouvir o que eu disse, Hil enxugou os olhos, fungando.

“Eu não quero que você se envolva com o Remy, Dillon. E não é porque você não é boa o suficiente para a nossa família. Eu já penso em você como uma irmã.”

“Então, eu não entendo. Por que você não quer que a gente fique junto?”

“É porque eu preciso de você, Dillon. E eu sei se você se envolvesse com ele, ele faria alguma coisa para te machucar. Uma vez que isso acontecesse, você perceberia que é boa demais para pessoas como nós, e então… você não iria querer mais ser minha amiga,” ele admitiu conforme as lágrimas continuavam escorrendo.

“Eu sei que é egoísta, mas eu não suportaria ficar sozinho de novo, Dillon,” Hil acrescentou, a sua voz falhando. “E você é tudo o que eu tenho. Eu não quero te perder.”

Estendi a mão e apertei a dele. “Hil, nada nunca vai acabar com a nossa amizade. E você nunca estará sozinho de novo. Você não tem só a Cali, mas também não vai me perder. Eu prometo.”

Hil sorriu através das lágrimas, assentindo com a cabeça. “Eu tenho muita sorte de ter vocês duas. Mas por favor, me prometa que não vai se envolver com o Remy. Eu faço qualquer coisa. Se você precisar de mais dinheiro, posso conseguir que o comitê de bolsas aumente sua ajuda.”

Eu balancei a cabeça. “Não quero isso, Hil. Quero começar a ganhar meu próprio dinheiro. E quero aceitar a oferta de trabalho do Remy com a sua bênção.”

Hil hesitou por um momento, então finalmente cedeu. “Está bem, Dillon. Você tem a minha bênção. Mas me prometa uma coisa – não se encante pelos charmes do meu irmão.”

Eu sorri. “Eu prometo.”

“Obrigado,” ele disse enquanto me abraçava.

Segurando-o, olhei ao redor do lugar onde uma vez fingíamos ser adultos e me perguntei se tinha feito uma promessa que conseguiria manter.

Uma semana após aceitar a proposta de emprego de Remy, entrei em seu elegante sobrado no Brooklyn para meu primeiro dia. Eu não sabia o que esperar, mas quando Remy saiu de seu escritório para me cumprimentar, minhas calças finas não conseguiram esconder minha empolgação.

Os 1,88m de altura e camisa branca justa de Remy destacavam seu físico musculoso, como se a peça tivesse sido pintada em sua pele. E com as mangas enroladas até o cotovelo, suas tatuagens estavam claramente visíveis. Mal conseguia falar, sentindo uma onda de desejo me envolver por completo. Era como se eu tivesse 14 anos novamente, com ereções descontroladas e tudo.

“Dillon, estou tão animado por finalmente tê-lo…”

“… aqui?” gaguejei.

“Onde você quiser,” ele respondeu com um sorriso e uma sugerência tão provocativa que quase me fez ajoelhar. “Agora, o primeiro item de nossa agenda, venha comigo,” disse, mudando rapidamente para um tom mais sério.

“Para onde estamos indo?” perguntei, minha voz soando fraca ao mal ter tempo para colocar minhas coisas.

“Vamos fazer uma reunião em movimento. Isso soa profissional, certo? Sim, vamos fazer uma reunião profissional em movimento,” disse ele, me conduzindo de volta para fora.

“Preciso levar algumas notas?” respondi, alcançando meu telefone e uma aparência de profissionalismo.

Quando peguei e naveguei até meu aplicativo de notas, ele deu uma olhada no meu aparelho antigo e suspirou.

“Não. Isso não vai funcionar. Primeira coisa na sua agenda, compre um novo telefone. Podemos chamar de telefone da empresa, mas é seu. Escolha o modelo que preferir,” disse ele, de forma assertiva.

“Okay,” respondi, surpreso por sua generosidade.

“A próxima coisa de nossa agenda, existe uma loja de crepe japonês aqui por perto que eu estava morrendo de vontade que você experimentasse,” Remy declarou.

“Para eu experimentar?” perguntei, tentando manter a compostura, apesar de mal conseguir ver direito.

“Sim. Eu comi no Japão, e também em Taipei. Quando descobri que havia uma loja logo ali, pensei, ‘sabe quem adoraria isso? Dillon. Dillon definitivamente adoraria.’ E agora aqui está você.”

“Você tinha certeza que eu iria gostar?” perguntei, impressionado com seu charme contagiante.

“E aqui está você,” ele repetiu.

“E aqui estou eu,” confirmei, tentando me concentrar em qualquer coisa, menos na forma como a camisa de Remy se ajustava a seus músculos.

Ao nos aproximarmos da loja, notei uma enorme fila se formando fora da porta. Remy sorriu, pegando seu celular.

“Eles têm um aplicativo?” observei, levantando uma sobrancelha.

“Não tinham,” confessou Remy. “Mas então eu experimentei um de seus crepes, comprei a empresa e criei um aplicativo para eles.”

Ri. “Mas ainda assim tem uma fila.”

“O aplicativo ainda está em testes. Eu queria dar a ele um teste rigoroso antes de liberá-lo para o público,” ele explicou, com um sorriso maroto.

“Então este é o seu aplicativo pessoal para conseguir crepes japoneses quando quiser?” perguntei, meu coração batendo forte em resposta ao seu olhar intenso.

Remy sorriu. “Você deve vê-los fazendo. É muito legal.”

Enquanto observávamos a massa do crepe ser espalhada e virada em uma chapa quente, fiquei fascinado. Uma vez cozido, bananas fatiadas foram colocadas nele e enroladas. Recheado com sorvete e coberto com chantilly, foi transformado em crème brûlée. Parecia incrível! Mas nada poderia me preparar para a primeira mordida.

“Meu Deus!” exclamei, meus olhos quase saindo das órbitas.

“Certo? Melhor milhão que já gastei,” disse Remy com um sorriso satisfeito.

Eu me engasguei, ouvindo o preço. Mas então dei outra mordida.

“É, provavelmente,” concordei, deliciando-me com o crepe.

Sentada em uma mesa para dois, em frente ao homem por quem estive apaixonada minha vida inteira e degustando a sobremesa mais incrível que já provei, eu estava no paraíso. Nunca quis que esse momento acabasse. Quando terminou e eu estava imersa nos poços dos olhos dele, trouxe à tona o óbvio.

“Então, estou aqui. Você me tem. Pode fazer o que quiser comigo. Qual será o meu trabalho? E se você disser degustadora de crepe japonês, saiba que vou provar até a última mordida.”

Remy riu. “Se esse é o seu sonho, vá em frente. Pessoalmente, desde que você apareça todos os dias deslumbrante, não me importo com o que você faça. E, aliás, você está fazendo um excelente trabalho até agora.”

Revirei os olhos brincando, escondendo que meu coração havia acelerado mais uma vez com o elogio dele. Mas quando finalmente consegui me levantar, voltamos para o escritório.

“Então, o que a sua empresa realmente faz?” perguntei, enquanto buscava recuperar meu autocontrole.

“Durante a última crise econômica, muitas empresas ficaram sem dinheiro. Eu forneci o capital para que pudessem pagar suas despesas em troca de uma participação na empresa e taxas de juros generosas.”

“Espere, você é um agiota?” perguntei sem pensar.

Remy explodiu em risos. “Quando você é rico, chama-se ser um investidor Série D.”

Chegamos à porta do escritório e entramos. “A ‘D’ significa dick (pênis)? Porque é isso que os agiotas são,” perguntei.

“Oficialmente, não. Mas vamos ser sinceros. Às vezes, um pouco de ‘dick’ é o que algumas pessoas estão procurando,” respondeu Remy, sorrindo.

Eu coro. “Eu não saberia nada sobre isso.”

“Você está mais familiarizada com os ‘dicks’ maiores? Eu jamais teria imaginado isso sobre você. Mas fique tranquila, senhora Harris, minha empresa pode ajudar.”

Sabendo que estava ficando muito vermelha, sutilmente cruzei as pernas, pensando em quanto estava à mostra. Mas ao ouvir alguém pigarrear, ambos olhamos para cima. Vendo quem estava diante de nós, fiquei paralisada de pânico. 

 

 

Capítulo 6

Remy

 

Ver Eris Clément na sala de espera de meu escritório me arrancou da fantasia que brevemente permiti a mim mesmo e me atirou de volta à realidade. A princesinha mimada de Armand estava postada na minha chaise Le Corbusier com seus cachos loiros perfeitamente esculpidos e olhos azuis gelados que deixavam claro seu desprezo por qualquer coisa que cruzasse seu caminho.

Ato reflexo, me virei para Dillon ao meu lado. Ele estava visivelmente perturbado. Eu odiava o efeito que ela tinha sobre ele.

“O que você está fazendo aqui?” perguntei, incomodado.

Eris ofereceu um sorriso malicioso. “Não posso simplesmente visitar meu futuro marido no trabalho?” ela perguntou, fazendo os pelos do meu braço se arrepiarem. Enquanto cerrava meus dentes, ela adicionou, “Trouxe-lhe um presente de noivado, bobinho.”

“O quê?” perguntei, desconcertado com seu gesto. O que ela estava fazendo?

“As coisas entre nós podem não ter começado da maneira que qualquer um de nós teria preferido, mas podemos ainda tirar o melhor proveito disso, não podemos?” Ela apontou para uma caixa pequena na mesa. “Abra.”

Hesitei novamente, procurando a reação de Dillon. Ele estava tão confuso quanto eu. Voltando-me para a pequena caixa azul claro com fita branca, peguei-a e a encarei.

“Não é uma bomba, Remy. Estou sentada aqui com você,” disse ela sarcástica.

Querendo acabar com essa troca logo, puxei a fita e levantei a tampa. Dentro estava um relógio que me tirou o fôlego.

“Como você sabia que eu coleciono relógios?” gaguejei, olhando para Eris.

“Remy, você é um homem de classe e bom gosto. Claro que você coleciona relógios,” ela respondeu com um sorriso satisfeito.

Dillon se aproximou, a curiosidade superando o melhor dele. “O que é isso?”

“É um Richard Mille RM 56-02 Tourbillon Safira. É um relógio muito raro,” respondi tentando lembrar da última vez que vi um pessoalmente.

Dillon se inclinou para uma observação mais próxima. “Dá para ver direto por ele. Parece que as partes que seguram os ponteiros estão flutuando entre o vidro. É incrível,” ele admitiu.

Eu olhei para ele, então de volta para Eris. “São dois milhões de dólares incríveis,” disse, lutando para encontrar as palavras certas. “Não posso aceitar isso. É demais.”

Eris cruzou os braços. “Serei sua esposa, Remy. Nada é muito para meu futuro marido.”

Vendo a expressão abalada de Dillon, me segurei. “É, tenho tentado encontrar um desses,” disse, casualmente.

Os olhos de Eris cintilaram quando ela perguntou, “Posso colocar em você?”

Lutando contra o impulso de recusá-la, cedi, permitindo que ela deslizasse o relógio no meu pulso. Ainda perplexo com o que estava vendo, disse, “Eris, não sei como agradecer a você.”

“Eu sei,” ela respondeu com um sorriso sinistro. “Nunca o tire.”

Brincando, respondi, “Não tenho certeza se vou querer.”

“E demita-o,” continuou Eris, assinalando para Dillon.

“O quê?” perguntei, novamente surpreendido por ela.

“Acho que você me ouviu,” ela disse com ar de superioridade.

“Não posso fazer isso,” declarei, lançando um olhar para Dillon, que parecia chocado.

Eris zombou, “Por quê? Secretários estão a um dez por uma dúzia, não estão? E seria tão fácil fazer sua futura esposa feliz.”

Encarei-a sentindo um fogo que poderia derreter aço. “Dillon não é meu secretário,” disse, lutando para não explodir.